24 setembro 2011

Ninguém sabe onde

foi o que encontraram, o rádio ligado e um relógio com o mostrador amarelado de voltas e revoltas que parecia cansado, jogado ali sobre a mesa naquele quarto frio e vazio. Alguém o esquecera ou o deixara ali. As janelas fechadas, os vidros molhados marcavam um frio próximo, vizinho, invasor. Esfregou as mãos numa tentativa fracassada de dar-se alegria, só conseguiu um ânimo, um leve. No radio uma voz de pequenas cidades, campos e caminhos cantava lookin’ for a good time. Ele só queria ir para Califórnia, tinha pela frente uma longa estrada, e longa estrada é apenas outro modo de dizer que só lhe restava uns poucos sonhos, mas ainda os tinha. Chorou. Ele só queria ir para São Francisco. Iria, de um jeito ou de outro, tirou a mala de debaixo da cama que já estava arrumada com suas poucas coisas, conferiu uns poucos dólares com olhar de desejos de multiplicação, poucos eram, uns centavos a mais de poucos, os colocou no bolso com medos, bateu a porta do quarto quando se cantava nothing better to do. O relógio ficou ali, girando, girando seus ponteiros sobre o fundo amarelado da vida. E fundo amarelado da vida é apenas outro modo de dizer que ele não conseguiu chegar à Califórnia. Ninguém sabe onde.

6 comentários:

Paula Barros disse...

Me fez lembrar que alguns sonhos não são realizados. Que a vida, ou nós mesmos com as nossas escolhas, seguimos outros rumos que não são os sonhados, os desejados, os planejados.

O amarelado do relógio, o amarelado da vida, o desbotado dos sonhos.


(Gostei de ver o jarro com flores na imagem, aquela imagem anterior é uma das poucas que não gostava de olhar)

Paula Barros disse...

Freud, e alguns outros, e você, me ajudam a refletir, me ajudam a pensar, me ajudam a buscar formas de me tornar mais saudável, mais inteira, ou pelo menos mais harmonizada - corpo-mente-espírito.
Acredito eu, que você sabe que este caminhar em busca desta harmonização não é fácil, mas as trocas, uma outra forma de ver, me ajuda muito.

Obrigada!

eder ribeiro disse...

Estamos sempre de malas prontas a espera de nossa partida, para aonde? não sabemos, pois nem sempre gostamos de estar onde estamos ou para onde pretendemos ir. abçs.

Elcio Tuiribepi disse...

Olá Dauri...quando seguimos a nossa estrada interior, dificilmente nos perdemos de nós mesmos...as vezes o camimho é complicado...mas a gente chega...cheguei, matei a saudade e agora to indo...
Um abraço na alma...obrigado pela visita lá no Verseiro
Boa semana...

Elcio Tuiribepi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ilaine disse...

Uma busca constante. A mala é o símbolo de nossas experiências, ali onde estão armazenados nossos sonhos e nossas lembranças. Esta preciosidade precisamos levar em todas as viagens. Ir, mas sem saber para onde... Senti uma certa melancolia neste texto - que é belo em toda sua essência.

"O relógio ficou ali, girando, girando seus ponteiros sobre o fundo amarelado da vida."

Forte abraço