30 janeiro 2009

II

Há um desânimo, um descabido
de dizer as palavras no esmeril
e cortar frases na guilhotina.
Grafar o quê? Panfletos?
Ando em estradas tão comuns
que sequer uma alamanda,
com um galho esparramado pelo chão,
se arranja em florir seu amarelo para mim.
M3 enumer9 5m c0ntagens e44adas
d4s coi5as b8as qu6 v8u vive4do.
3screver é um 7ício a s3 b4incar,
um2 pr9sa ante6 d4 no7te
pa5a qu3 a 3oite 5eja b0a.
É 2spera d1 so5hos b0ns
reno7ando a5 fo4ças par6 a lu7a,
par2 s3 i4 9ela es7rada afo5a. É issO.
Po6e at3´ te5 po3sia, a v7da, 5empre,
m4s 9oe5ia qu8 nã0 c4i 3m liv5os.
A2 letr4s escor4egam da5 pá9inas,
c4em na 4ede e de9ois v6zam par5 0 m2r.
7udo se a9aga d3 tud0, s2 a9aga 4e m1m,
e me 1nterpreta. 3ntão cho4o 0u 5io,
con7orme o 6ia.

29 janeiro 2009

I

J2´ nã9 quer8 est2s caminh4s,
q3ero o8tros. A poe7ia já s3 esv4iu
do5 pass6s po4 ond7 v2mos.
Teima8os em segui4 os vel7os,
m1s v3lhos 7á so3os nó2.
A 9oesia a5re camin8os,
nã4 con7irma n4da. Jog9-se,
r3de 3m ma5 bravi0
s2m s5 im9ortar c8m qu3 9eixe
se vo7tará 9ara cas3. Quand0 se v8lta,
se s3 vol5a, é c6m mã8s lev5s.
%ão m3 cha4em p0eta.
Rene6o e55e p9sto. V9u par4
ou7ra pai5agem, pert6 d0 horizon7e,
3as n2m se1 s4 lá v8u fic4r.

28 janeiro 2009

(sétimo e último "isso" da série umas coisas jogarão luz nas outras.
Há um desejo de continuar. Há outro me mandando parar.
Paro. Vou por outro caminho, vou escrever outras coisas. rs).

Enxaguei os meus olhos no riacho
que acompanhava uma estrada de terra.
Os olhos do meu pai formavam cachos de uva.
Ele cuidava do parreiral com amor. Os olhos
são uvas. Há um doce ou um ácido no olhar.
Enxaguei os meus olhos num riacho. A ferrugem
da estrada é a luz do sol no fim do dia. Sal, saudade
que dói. Uma estrada é um espírito. A de terra
é uma coisa. A de ferro também. Uma coisa, outra coisa,
tantas a lembrar. Os bagos de uvas eram doces.
Doces de olhos, olhos de pai. Olhos que me levavam
num velho carro levantando poeira pela estrada de chão
que seguia o riacho serpenteando as montanhas.
Meu pai cuidava das uvas e me mostrava até mesmo
aquelas que ele próprio não via. Uma estrada é um espírito,
a de ferro é uma coisa, a de terra também. Chão
é o que tenho, caminho que faço,
coisa e espírito dentro de uvas
me esperam numa próxima estação.

27 janeiro 2009

(mais um incoerente poemeto - o sexto - da série umas coisas
jogarão luz nas outras)

Falar coisas de uma manhã de domingo
com pequenas gotas de sereno no capim
não é fácil. Falar coisas do que se avista
da janela em dia de chuva também não.
As plantações, coisas nada além de solidão.
Arrumar-se para ir à igreja e depois beber,
e voltar. Melhor seria ir. Melhor seria se
fosse segunda-feira e só o trabalho pudesse
preencher os vazios das coisas. Em tudo
há um buraco, não só em mim há uma falta.
As coisas não são sólidas. Podem ser. Arrear
um cavalo e sair pelos montes em desato atrás
de vacas e bezerros, paisagens e saudades.
Ir-se e embrenhar-se pelos campos, esconder-se
num recanto qualquer debaixo de uma árvore
e pensar olhando para o reflexo por entre as folhas.
O riacho ao lado. A zoada. Isto é uma coisa.
Outra coisa é a palavra dita, vaporizada,
como perfume para quem se ama. Amar...
por falar em amar... que coisa engraçada!

26 janeiro 2009

(quinto e incongruente poemeto da série umas coisas
jogarão luz nas outras. Parece uma idolatria egoísta)

Poemas são coisas que não necessitamos ler,
mas escrever, escrever, ah, é urgente.
Escrever, escrever poemas, cartas, coisas.
Escrever transforma o hálito,
a voz, a expiração em pedra, em erva, em sol.
Escrever se escreve para que o mundo continue
no seu eixo. Tem que se escrever
seja na parede de cavernas, seja na tela.
Escreve-se para que o mundo se aguente
na escuridão do universo. A luz das estrelas
é pouca. Cada letra brilha mais.
Ler se lê para o prazer, para o deleite
ou pela obrigação. Com sentimentos, portanto.
Escrever se escreve para criar o mundo,
para mantê-lo por um tempo a mais
girando, girando, girando.
(E a palavra se fez coisa)
Escrever qualquer coisa,
nem que seja só o próprio nome,
é condição sine qua non
para transformar Deus em coisa,
e transubstanciar coisas em Deus.
Isto que acabas de ler é só uma lasca de pedra
que arranquei da voz enquanto escrevia.
Escrevendo pensei em esculpir para ti um sorriso,
mas sorriso não se esculpe. Só tenho lascas
espalhadas por ai. Talvez eu calce um caminho.
Perdão. Parece uma idolatria egoísta
mas é uma afirmação da encarnação,
ou coisificação, se quiseres.

25 janeiro 2009

(quarto poemeto da série umas coisas jogarão luz nas outras)

As partículas das coisas reagem ao olhar.
Há entre as coisas do olhar e o olhar das coisas
um laço azul de amor espiritual,
ou um vermelho vínculo de amor carnal.
Mas há. Há qualquer coisa em nós
que nos faz amar as coisas mesmas.
Quando desperto dos sonhos
me vejo mais coisa do que antes,
e fico em dúvida entre me alegrar e me entristecer.
Sei lá! Sei lá é não saber aqui.
Sei lá será um saber distante, longe, longe
que ainda coisa alguma é? Chegarei lá para saber?
Sei lá! Com as coisas assumo algumas das minhas incoerências,
nelas garimpo algumas das minhas poesias perdidas.

23 janeiro 2009

(terceiro poemeto da série umas coisas
jogarão luz nas outras)

Nas coisas revoltadas, nas desarranjadas coisas
em qualquer coisa encontro música. Ou luz.
É... a música não vem dos céus, nem dos anjos,
nem de Deus. A música vem das coisas,
a voz das cordas, as cordas do sangue,
o sangue do sêmen, o sêmen do homem,
o homem do barro, grande e maravilhoso tudo:
coisa que dói por dentro. Foram as coisas que comi
e agora se contorcem em mim, no coração,
na alma, esta galáxia outra que se chocou comigo
e formou comigo uma coisa só,
em espiral, enrolados um no outro,
abraçados e confusos,
matéria clara, matéria escura.
As coisas em mim se arranjam em esculturas
como canas esmagadas donde sai o caldo,
a garapa, o bagaço, a harpa dos fios
tecidos e remendados em alguns nadas
que por acaso exponho aqui.
Meus issos, meus poemetos, minhas partes,
meus caminhos curtos, meus muros baixos.
Eu prometo, não vos quero impor cometas
desgovernados e perdidos por estes palavreados
que vos exponho como que em versos,
mas que não são versos, não, não são.
(Quisera eu vos oferecer a gargalhada de um menino,
já vos disse, não sou poeta).
É uma única, longa e desafinada música
que sai das coisas, ruídos, meus respiros,
o tamanho, o fôlego que aguento sem subir
de dentro de mim, - sou raso, desço logo abaixo
da superfície - me suportando, me vendo,
me observando. As coisas estão dentro
tanto quanto fora. Algumas
me lançam uma certa luz.

22 janeiro 2009

Palavras devem ser nuvens luminosas de poeira
que se condensam em pequenos grãos
na longa jornada que o universo faz
para dizer umas poucas coisas a alguém.
Por outra mão percorre o sangue o caminho
de que as palavras sejam vômitos,
vômitos de vontades, que se engoliu;
ou de vontades, pão do qual se comeu.
Há uma boa possibilidade, diga-se,
de que estas coisas que saem da boca
sejam vômitos de luz. Depende.

20 janeiro 2009

Quando digo as minhas palavras,
são coisas que digo. Sei que são coisas,
pois que elas me pesam.
Cada palavra dita é uma coisa
que pego, que peso, que olho
sem muito sentimento, algum,
aquele que vem como recordação
ou como uma pequena ternura solidária.
O que vem a mais são pensamentos,
muitos. Coisas sementes, montanhas,
pedras, riachos, canetas, casas, estradas.
Acho que isto explica por que não gosto
de rimas, de métrica, de sonetos. Tentativas,
parece, de querer revirar as coisas
e transformá-las em leves canções. Mas
as palavras são pesadas. Há terra nelas.
Minhas palavras querem continuar coisas,
isto é um quase pecado, eu sei. Mas é isto.
O arado rasga o chão, eu lembro bem.
Vi tantas vezes esta cena. O chão, o cheiro,
as sementes jogadas do embornal,
o pé encobrindo-as com a terra macia...
Meu coração anda abarrotado de coisas...
Perdão.

18 janeiro 2009

A casa nas montanhas
pode ser só um olhar para as alturas,
viagens que em voos me embrenho,
desejos de encontro, alguém.
Os fragmentos de Deus, gestos,
dança das mãos, sorrisos, palavras, são
milagres que alteram o tempo.
Então me vejo em manhãs de maio, sereno.
Depois tudo volta a ser real demais e peso.

O mundo é a voz e a palavra
em interconexões de corações e estrelas. A dor
é o grito do todo quando vira fragmento.

A casa nas montanhas revela
que sutil e bem frágil é a felicidade,
fragmentos que caem sobre meu peito em sentimentos
obscuros ou claras percepções. Insignificâncias.
Os fragmentos podem revolver-se em tantas coisas
no longo tempo que é o caminho do olhar.
A ponte que vejo entre um passo e outro, o amor,
é atravessar para o lado de alguém.
Depois tudo volta a ser nostalgia e saudade.

17 janeiro 2009

A casa nas montanhas
parece mais longe ainda
quando envolta em neblinas.
Os fragmentos de Deus caem sobre as folhas
e formam gotas que aceleram o tempo.
Quando uma cai ao chão passa-se um século.
Então me vejo ao acordar diante do sol poente.
Amor é umidade e calor.
Logo depois tudo volta a ser resseco e duro.

A sutileza das coisas traça o destino do meu olhar.
Há jardins na poeira da velha estrada. Nos entremeios
de uma pedra, se sabe, sempre existe outro mundo.

A casa nas montanhas
é uma casa de artes.
Nela se joga poesias ao acaso
sobre uma mesa, as que se fragmentam
Deus arremessa morro abaixo.
Quando me vejo estou rolando
no riacho como um seixo velho e desgastado.
Amor é paciência e beleza.
Depois tudo volta a ser rispidez e insignificância.

15 janeiro 2009

Da casa nas montanhas
o vento algumas vezes não vem.
Os fragmentos de Deus caem mesmo assim,
criando ondulações no tempo.
Quando me vejo hoje já sou ontem,
mas ainda sou.
É o amor que vai adiante,
agarro-me quanto posso em suas cordas.
Depois tudo volta a ser frio e imensidão.

A beleza do mundo me acorda.
Talvez isto seja a prova
de que há um caminho no tempo.

Da casa nas montanhas
quando não sopra ventos,
Deus vai para o paraíso passear.
A casa fica vazia, quando me vejo
estou cheio de fragmentos finíssimos por dentro
que caíram sem que eu percebesse.
Quero muito ir à casa. É o amor que me ordena
a ir, mesmo que só por um segundo.
Depois tudo volta a ser luta e cansaço.

14 janeiro 2009

Há uma casa nas montanhas,
e dela o vento traz
fragmentos de Deus.
Quando eles caem na superfície do tempo
formam ondas. Quando me vejo,
começo e desapareço.
O amor é líquido e as ondas
são concêntricas.
Depois tudo volta a ser placidez, silêncio.

Outras vezes tudo é diferente.
Talvez isto seja a prova
dos universos paralelos.

Da casa nas montanhas
vem um vento que traz
fragmentos maiores
de Deus, meteoros que caem no tempo
e me formam crateras. Quando me vejo,
pedra e poeira.
O amor é sólido e as bordas
são agulhas.
Depois tudo volta a ser aridez e escuridão.

13 janeiro 2009

(fim destas deambulações. A vida segue)

Alegro-me, mãos vazias, banais. Nem ouro, nem poesia.

Uma voz desenha levemente vitrais, janela eloquente,
por onde entra a luz imprevista, finíssima. Espírito santo,

meu canto. Eu vi horizontes, províncias, mundos misturados

no cadinho, reagindo e produzindo borralho, borralho,
escória. Deambulações que não deram em nada,

senão em mim, satisfação de escrever, alquimia de viver.

11 janeiro 2009

(nova depuração)

Traço palavras vazias de inspiração. Perdi meu nome e o resgatei
sem a palavra poeta nas minhas letras. Escrevo, enfuturo-me.

Dessentimentalizar o poema não significa tirar-lhe o coração,
nem escrever poemas vai me fazer poeta uma vez. Escrevo vazias.

Uma tristeza, uma orquídea e uma alegria se juntam quando
um deslivrado escreve. Além disso, algo no escuro do universo

cria uma nova província. Talvez de amor. Rochas frias são luas.
Desendeusar a religião pode religar Deus e o Amor em cada um.

Falo, engasgo, digo: a lua é linda, seja cheia, seja vazia,
basta a poesia. Viver poesia é um bem. Ser poeta, não sei.

Eles são poetas, eu não. Traço redes, recolho versos, faço laços,
elucido-me no cadinho, livro-me, crio-me, enlivro-me. Pode ser.

Enlivrar-se pode ser um caminho. Pode. Enlivrar-se aos olhos
das crianças. Elas aprendem a ler muito bem, e rapidamente.

10 janeiro 2009

(Eis a sétima deambulação alquímica, não sei quando isto termina. Peço paciência)

Quando sinto as vazias, penso folhas secas, palhas, resinas,
bálsamos e perfumes. Também penso espadas afiadas, baratas,
corpo morto, sangue férreo pisado, raivas, guerras.

Ainda assim escrevo alguns universos, deslivrados e bizarros,

que se enchem de versos, de pontes para todos os lados.
Atravesso as pétalas dos dias, e sempre me dou de cara, surpreso,
com minhas vazias. Todavia encontro também meu espírito e a poesia

do teu coração em ajuntamentos de amor, confidências, espantos.

As montanhas e o mar do Espírito Santo me aprovinciam
de ingenuidades, eu sei. É que empalavro os barcos e as enseadas,
os beija-flores e os marlim-azuis. Perco tempo derramando

o mar das pequenas conchas, inventando mundos, arremessando
palavras sobre a superfície. Incontento-me com a placidez
das páginas, dos lagos que me oferecem lirismo e contenção.

Poetas escrevem Grécias, Romas, Paris, luas, muitos livros cheios,

deles necessitamos. De vazias não, mas é o que faço.
Não preciso de inspiração para estourar pedras, elucido-me
entretendo-me. Anoiteço e assusto-me. Vou vivendo.

09 janeiro 2009

(as deambulações alquímicas me oferecem borras. sinto muito)

Sim, vazias. Escrever vazias. Xícaras de janeiro trincadas e vazias.

Luas vazias, ruas. Os poetas não escrevem vazias, mas eu escrevo.
Elucido-me escrevendo vazias, anoiteço também. Empalavro gestos,
interpreto nuvens, viro as pétalas e as dobradiças das coisas,

e atualizo nas fotos o olhar das pessoas que já se foram. Guio-me

para o cais onde embarco para o dia de amanhã: viver poesia.
Quando pedras se lascam na marreta, uma vazia está sendo escrita.
Vazia se escreve em versos. Não necessariamente. Isto talvez

guarde uma esdrúxula e leve semelhança com poesia escrita.

A poesia escrita é deles, está no eixo, nos cânones;
as vazias pingam da retorta. É preciso mapear de amor
minhas províncias, sem depender de inspiração. Persito.

Já desendeusei a religião e dessentimentalizei o amor. Tentei, tento

estender a mão: o gesto é o que recolhe o verso, é o que importa.
O gesto faz a arte. Vi num circulo vermelho na tela da tv
um soldado israelense cinza no chão levar um tiro e morrer.

08 janeiro 2009

(as deambulações alquímicas passam por momentos críticos.
Muitas vezes, depois de muito trabalho, dei-me com fezes.
Tenho esperanças, se não nas mãos terei ouro no olhar,
ouro de desejo)

Viver na poesia e acreditar no deslivramento das palavras,

soltá-las em cardumes na rede, em bandos no ar, e deixá-las ir.
Deixar, deixar. Ir por aí e embelezar cada vez mais os dias
com muitos desejos de amor, de orquídea, de beija-flor,

de mar, de marlim azul, de mais ainda amor nos vales

ou nas margens do Brasil, aqui onde vivo, no Espírito Santo.
A orquídea coronariana se abre em corações que se libertam
da inibidora necessidade de inspiração para criar.

Crio províncias de poemas deslivrados e enfuturo-me em tramas

com outras vozes em muitas páginas. Desleitoro-me no despudor,
e autorizo-me, empalavrando os pés, as mãos, o sangue, o sêmen.
Desviro as pétalas dos dias e procuro outros universos

em cada frase escrita, em cada bomba que desarmamos.

Os fios que puxamos na rede formam laços, outros modos de amar,
a pressão sobe quando acordamos juntos. Mas é preciso acordar
para se propor como arte da própria edição.

07 janeiro 2009

(continuando o acrisolamento alquímico do mesmo poema).

A desinpiração é uma chance de se enfuturar a vida de poesia

libertando-a dos autores e dos seus livros. Deslivrar o amor.
Os dias de janeiro me trincam os sonhos, e os sonhos do mundo.

As montanhas e o mar me aprovinciam de belezas no Espírito Santo.
Margeando o Hudson fui até West Point na província de New York.

Apalavramo-nos em rede e em desejos de proximidade.
Nos ficcionamos nos textos que escrevemos. Resgatamos

nossos gritos, nossa nobreza, nossa orquídea coronariana

apalavrando nossos caminhos, pedras e tropeços. Esperamos
um mundo desvirado, em manifestações de gestos humanos.

Livro-me de inspirações e endesejo ainda mais minhas palavras.

06 janeiro 2009

(Continuando as deambulações alquímicas. Ao final, ouro ou fezes?)

Apalavrar-se de si mesmo para viver, inventando.
Deslivrar a poesia das próprias páginas. Desvirar amor a cada dia.

Uma raiva enraizada, uma trinca desenhada como ódio
se derrama pelas terras na Palestina. Estou longe.
As margens me aprovinciam em cantos lindos na beira do mar
onde vivo, ou em interiores férteis onde nasci, no Espírito Santo.

Estamos tão pertos, nossos textos se tocam, nossas
ficções se combinam em reações de misturas. Rede.

Etiópia é palavra linda. Etíopes também. Há no nome
uma solidão de fome, um resgate de nobreza. Orquídea,
flor de gritos extraordinariamente fortes. Crianças
que recolhem com os olhos o que resta da poesia de viver.

Quando derramo palavras na tela corto-me com pedras,
pedras de estouro, de bombas, entulhos. Meteoritos,

chuva de fogo, esperança de ano novo, nosso encontro
despertando-nos para a arte. Inspiração não é preciso.
Poesia é corte, talho, incisão, paciência de quem pesca nas margens.
Despertamo-nos mutuamente. A pressão sobe quando se acorda.

Saber-se deslivrado. Ser, mesmo que desinspirada, poesia.
Enfuturar-se pelos anos empalavrando nosso amor.

05 janeiro 2009

Desvirar o livro de poesia e se despedir dele. A poesia agora
se espalha pela rede. Apalavrar-se do futuro com amor.

O que se toma não sacia. O papel é pouco.
A trinca que se divide em duas
faz a xícara única, marcada, cicatrizada.
Viver a cada dia a poesia fora do eixo Rio São Paulo.
As margens são férteis, próprias para a cultura.

O que há no Monte Sião? O encontro não acontece.
A poesia se esconde no colo das crianças.

Não escrevo livros, a rede me oferece as letras,
a internet me põe ao lado, me faz próximo do estranho.
A beleza da orquídea acalma o coração. Paz é grito,
de cada dia, grito e trabalho espiritual. Ascese.
Viver cada dia é o que revela a alegria.

Quando penso em poesia penso em outra coisa,
o que não se contém, o que explode, big bang.

O universo se enche de versos, estrelas e planetas.
Num deles a surpresa, meu coração e o seu unidos
por sentimentos, perplexidades e mundos. Espadas
que se entrecruzam, cavaleiros nobres e medievais.
A pressão sobe quando se desperta o coração.

Deslivrar-se, ponderar a apalavração do amor e do futuro,
viver de poesia, abdicar de inspiração, escrever com pétalas.

04 janeiro 2009

deslivrado. Viver de poesia, se largar na rede, brincar,
sem inspiração, saber-se apalavrado de amor e de futuros.

A xícara verde por fora, laranja por dentro
está trincada. Uma trinca longa,
que logo se divide em duas, uma raiva.
O café, preto universo onde as estrelas morreram,
ainda se toma na mesma xícara,
a trinca não a inutiliza. O café não deixa marcas,
borras de nada, viver cada dia é o que salva.

Palestinos e israelenses em suas dores, e medos.
Não escrevo livros, escrevo páginas rasgadas,

sou eu mesmo, o outro, quem fala.
Os outros personagens se foram para o verão,
de folga. Escrevo aqui ao seu lado, em casa, sou seu vizinho.
Os etíopes longe morrem e ninguém sabe.
Lá não tem petróleo? Talvez a flor, aquela orquídea
seja linda demais pra ficar na mesa.
A cor das pétalas escorregará, sangue fugidio,
para fazer-se bandeira de nada. Paz é grito.

Bom ano, bom princípio, que sequência seja sem trema.
Quando penso em poesia, penso em leveza,

mas também penso em espadas, são doideiras,
espadas desembainhadas, prontas para cortar o ar,
um coração, talvez, o meu. Improvável. Fazer um mundo.
Enquanto entra o ano sangue escorre. Corre, atende,
o telefone não está vibrando, só toca,
e bem alto, uma música deprimente; está quebrado.

Caneta de tinta seca só escreve versos rasgando a folha.
Acordei. Acordar tem coração. A pressão sobe quando se acorda.

Saber-se apalavrado de amor e de futuros. Deslivrado.
Viver de poesia, se largar na rede, brincar, sem inspiração,

03 janeiro 2009

(encerrando a série das sete canções)

Cheguei, é a última hora, não a última canção.
Logo estarei ali, fim de uma estrada, começo de outra.
Os últimos pensamentos desabrocham,
conhecimentos afetos de ânsias e esperas,
de perguntas e canções. O amor não é uma paisagem,
um cenário perfeito onde se pode morar.
É outro lugar. Ir embora. Amor, amores,
vamos juntos, em caravana, pelas fronteiras.
Vento bom, suave, fogo santo, ardente sobre cicatrizes.

Reduzo a velocidade, olho as pessoas pelas ruas da cidade.
Ouço “Love me two times”.

01 janeiro 2009

Entregar-me-ei decidido quando estacionar à sua porta?
Sopram pelos caminhos ocorrências que me embebedam,
me liquefazem, infelicidades que me acariciam.
Vejo a garota à beira da estrada. Paro e aguardo-a,
olhando pelo retrovisor. Ela chega, linda, e logo vejo
que o chão descampado seco dos meus olhos
também se mostra nos seus. Uma espera de amor.
Um para o outro tornamo-nos a doce fugacidade
de um horizonte de estrada que imediatamente fica para trás.

Absorto, agora, sozinho, apenas sigo.
Então ouço “Because the night”.