26 março 2013


O meteoro das dores que só doem (outro pequeno conto)

 , tem dores soltas, dores perdidas, avulsas, sem causa e nem finalidade, que só doem, como imensas pedras geladas voando pelo espaço e que, de repente, tangenciam os mundos, elas não estão nem ai para os nossos sóis, para aquilo que ilumina nossos passos, para as escoras que  tomamos para não cair, dizia para si mesmo 
, tem dores de coluna, dores de amores não vividos, dores de uma infecção, mal-estar febril, mas estas outras que sentia ali, cometas desorientados, ameaçadores, nem imaginava que iria sentir, andava por aquela rua trinta anos depois
 
, a rua do lado direito era a mesma, os prédios de quatro andares perpendiculares à rua, lado a lado, irmãos amigos não vencidos pelas diferenças ao longo do tempo, os mesmos prédios, a mesma vida ali, o mundo mudara, não aqueles prédios, passava por ali, com a bolsa de couro de inspiração hippie, era tempo de faculdade, ia para a casa dela, tinham um quê, não sabia exatamente o que existia entre eles, nunca falavam disso, existia e era suficiente, bons momentos vividos, encontros dos mais fortes aos mais ternos, gargalhadas por pouca coisa, sonhos e projetos apenas para o dia seguinte

, a rua, a rua era a mesma do lado direito, mas as casas do lado esquerdo, inclusive a dela, todas abandonadas, casas de um único pavimento, térreas, o meteoro caía sobre ele, portas abertas, plantas e arvoredos secos e lixo, portão enferrujado, dos portões se avistava o que fora a casa um dia, dores desorientadas, meteoros frios e ásperos, sem aviso ou previsão, desgovernando seus passos

, os “nóias’ haviam usado as casas, via-se pela imundicie, mas alguém, talvez algum herdeiro daquelas casas mandara colocar aqueles arames de penitenciária sobre os muros tornando o meteoro das dores ainda mais cruel, do lado direito a rua era tão igual, a mesma de trinta anos atrás, mas aquelas casas na parte de baixo, cinco casas, eram lindas

, cada uma com seu jardim à frente, não grande, mas jardim, dos mais queridos os jardins são os pequenos em que se sabe de cada planta, cada canto, por que passava por ali?, até se esquecera para onde ia, trinta anos, tanto tempo se passara, dores avulsas matam, morria ali de algum modo, ou haveria de viver, sim, viver mais, viver, não, não, nada mais voltaria, a dor não tinha para quê

, não ensinaria nada, era melhor acelerar o passo, mas sentia crateras sobre os pés, sim, devia parar para olhar os detalhes das casas abandonadas, detalhes de carnes do tempo, carnes cortadas com lâmina fina, pensava que parar aliviaria aquela dor, não sabia, o único jeito era tentar, encostar-se ao portão, escorar-se na ferrugem, no ferro corroído, ah vida  férrea!, deveria parar e olhar, olhar, não

23 março 2013

PEQUENO CONTO

, o outono?, ou as chuvas de março?, ou o fim de verão?, ele não tinha o que pensar porque tinha muitos pensamentos e preferia ficar propondo-se questões sem pé nem cabeça pra ocupar a mente, ficava ali na varanda do segundo andar, nem sempre sozinho

, mas aprendera a ficar sossegado com suas questões para enganar a própria mente dada a meditar as dores, ali no mesmo lugar do velho sofá onde a bunda criara um mundo abaulado, uma cratera de pensamentos vagantes

, quando a varanda se povoava daqueles tantos que lhe pareciam estrangeiros, mas que eram seus filhos, netos, bisnetos já teria também? e não sabia mais quem, ficava ali a olhar o mar, mantinha-se como se eles ali não estivessem, olhava para o mar a sentir a maresia, mesmo quando um ou outro querendo aparecer diante dos outros como bem dedicado e amoroso vinha-lhe com abraços e beijos sem muita convicção

, ficava ali a ouvir os ruídos do mar, ruídos que só ali existiam, onde começa o amor?, onde começa o pássaro, no ninho ou no voo? onde começa o amor? começaria o amor na primavera da vida?, talvez comece na sede, na fome, na exaustão, talvez comece na saudade, na urgência de viver, no inverno, no vento sul, no insucesso... onde começa o amor? pois que comece um dia, que não tarde...