18 novembro 2011

luto, tristezas e uma certa paz

Quem desejar pode me acompanhar nesse exercício ( acho que exercício espiritual) em que vou me deixando falar sobre o luto, clicando aqui no Lados multiplicados.


Desnorteadas tentativas - 3

Foi num outro dia que nem sei qual, dois ou três depois do nosso último encontro, que ele, meu pai, reapareceu. Ele, acredito, tivesse alguma intenção em me dar aquele tempo de solidão. Deu-me um tempo de dor de solidão não por ausência de vivos, mas pela ausência de mortos. Eles cessaram seus ruídos, perguntei-me acerca dos motivos e nada encontrei como resposta. Na verdade sofri de solidão rodeado de pessoas, destituído abruptamente dos ruídos como mensagens, deles sentia falta, da sutileza de suas palavras, pequenos movimentos no revés das coisas. É bom que se diga, contudo, antes que esta história, este conto ganhe outras conotações, que eles, os mortos, não vem falar dentro do meu coração, não falo de alocução interior, falo de movimentos e sons aleatórios do mundo que são tomados por eles como palavras para suas frases, língua que eu não entendo, mas que são modos de dizer coisas dos mundos. Eles falam, eu ouço e não entendo, invento sentidos, dou-me ao trabalho de traduzir barulhos em pequenos poemas que logo esqueço, pois que não os registro, mas o que importa é saber que algo acontece entre nós, somos presença uns para os outros. Bem, ele apareceu, é isso o que eu ia dizendo.

16 novembro 2011

Desnorteadas tentativas ( título provisório) - 2

E ali, no seu desaparecimento fiquei, e ouvi o que era possível ouvir, um ruído aqui, outro ali, enquanto as horas silenciosas e frias passavam lentas, levantei-me fechei a janela e fui para a cama, a porta levemente empurrada não fechou, ficou a um palmo do batente e por aquela abertura jorrava uma pequena e muda cachoeira de luz vinda do abajur acesso na sala, o sono não veio logo, os olhos fechados e apertados repetiam-se autonomamente na construção de cenários, rostos, palavras,  desnorteadas tentativas de aliviar o peso do dia, ou modos de impor-lhe, mesmo sem querer, uma outra carga. E então, a tentativa de aquietar-se e dormir foi rompida, a porta ia e vinha pacientemente fazendo tinir a lingüeta da maçaneta no batente, mas sem força suficiente para fechá-la, favorecendo assim com seu ruído a construção de todo um mundo, que é de onde vem estes contos que te conto. Pensei se não seria ele que voltava, talvez lá os mortos não tivessem noites, nem cansaços, nem sono, nem necessidades de refazer-se para as lutas, e a porta ia e vinha com aquele movimento insistente de dizer o que eu nunca seria capaz de decifrar, sílabas incompreensíveis, formação repetida de uma única e breve palavra. Levantei, tomei uma sandália de borracha e ali coloquei, respeitava assim a vinda dele naquela cachoeira muda de pouca luz se ele quisesse voltar, e forçá-lo-ia a dizer na língua dos vivos o que ia me dizendo com aquele bater frágil de porta. Voltei para a cama e então foi a porta do banheiro que começou a falar com um singelo e sonoro e lento e macio e doce e incompreensível ruído. Então compreendi, ele me queria ajudar a dormir. Adormeci

14 novembro 2011

Desnorteadas tentativas - 1

O tempo é uma estrada pequena, ele foi dizendo sem desviar o olhar do vão da janela como se a janela fosse o nicho de um santo de devoção, tinha o olhar de quem já morrera, mas era vivo, estava tão vivo e eu tão apagado de cansaços e cenários nublados, como os mortos podem estar aqui?, morreu a mais de trinta anos, pensei, mas me consolei com sua presença, tanto tempo sem vê-lo, e ali estava ele, era bom vê-lo ao meu lado, ali, solidário, como se sentisse o que eu sentia, sua voz naquela frase era tão confortante, como quando um pai ensina um filho a andar de bicicleta, ele olhava pelo vão da mesma janela, e eu perguntava-me se nossos olhares se influenciavam de uma mesma luz, ele olhava lá fora, lá fora ele e eu enxergávamos, ou apenas mirávamos um ponto, aquele ponto bem no verde da colina em frente, o ponto que coincidia com a velha mangueira perdida no pasto, árvore boa estendedora de sombra amiga em que, em dias como este, o gado se achega assim de manso ao alcançar a tarde o meio do seu curso, algo imprecisamente em torno das belezas e tristezas das horas da tarde, ele dizia, olhando a árvore gasta por tantos olhares, o tempo é uma estrada curta que pensamos grande, e fiquei atravessado de espadas, um punhal de gumes finíssimos, sentíamos a mesma ausência, os dias se tinham ido tão rápido, mas era como se os dias passados se constituíssem num único dia, tão perto estava o adeus, a despedida, a ultima palavra balbuciada com brisas e suaves movimentos dos lábios. Quando tornei a olhar para dizer, pai!, já ele não estava ali, nem nunca estivera, algo em mim criara-lhe a forma, dera-lhe a palavra, o olhar, tudo era meu, era minha a janela que dava para o escuro da noite.

11 novembro 2011


me pego na música
pássaro
me prendo e escuto
as estradas que passam
no vento. Sigo
quando penso,
quando penso que não,
a música e o pássaro
se capturam
em confidências de sim,
e eu no entre
entre eles
vou

05 novembro 2011

Ao abraçar minha mãe
- arcano do céu desvendado em amor cotidiano -
senti na sua pele branca de mãe italiana,
vindo do interior do seu coração,
o bálsamo indescritivelmente bom
de salas com tetos altos, janelas amplas,
portas abertas, acolhida certa,
horta orvalhada, montanhas altivas...



... e lembrei,



forçado por movimentos agradáveis no peito,
do interior do Estado do Espírito Santo
de onde migramos nos anos setenta.
Vitória, ó cidade de Vitória!
Uma das mais lindas do Brasil.
Tu és agradável aos olhos como uma visão de mãe,
mas o interior, o interior do Espírito Santo,
ah, o interior...


... é Deus.