25 janeiro 2011

Inesperado sol

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Nem mesmo tinha terminado de estender um cobertor que lhe serviria de cama, depois de escolher o lugar certo, um barulho se fez ouvir lá debaixo, passos, de quem pisa leve sem conseguir, desnecessário disfarce, Dias olhou pela fresta do lugar no alto do prédio ao lado de onde morava e viu o estivador bater à porta, sabia que ele haveria de vir e se preveniu. Era certo, ali em cima ele não o encontraria, a escada que usara, recolhera, deitou-se, pensou nos passarinhos, tinha gosto por aqueles cantinhos escondidos, aquele usara muitas vezes para ler, ali ainda estava um livro, um pequeno livro, juventude, de Joseph Conrad, ali o mundo era só seu, comodamente deitado, podia observar as ações daquele homem, dormiria longas horas depois, até por volta do meio-dia. Como poderia ter tido por um tempo tão longo, da adolescência ao ano no exército, olhos para localizar um rumo, o cruzeiro do sul da sua vida naquele homem; recebia dele carinhos e agrados, diferentes dos da avó Luzia e viu crescer sentimentos por ele, nunca fora capaz de dizer te amo, mas muitas vezes perguntou-se se não seria a hora, se o que sentia não seria amor, não, não disse, nunca disse, chegou a tentar em certos momentos, algo o impedia. Agora se dava com os entendimentos, agora percebia, não havia flores naqueles ramos crescidos em canteiros sem sol. Presente sempre o mar, por todos o lados, os navios, o porto, o mar, o cais, o estaleiro faziam-no acreditar mais nas promessas do estivador do que nos conselhos da avó Luzia. O estivador prometia que se mudariam para Nova Iorque, que tudo estava sendo providenciado com uns gringos conhecidos. Mas como a demora se alongava ano após ano uma pergunta tornou-se refrão nos seus encontros furtivos, vamos mesmo para Nova Iorque?, quando vamos para Nova Iorque?, lembra, olhando o outro lá embaixo forçando a porta enraivecido, vamos mesmo para Nova Iorque?, fazia questão de dizer o nome Nova Iorque, poderia perguntar vamos mesmo?, vamos mesmo pra os Estados Unidos? Não, era preciso acrescentar Nova Iorque, quis até aprender inglês, esforçou-se na escola, aprendeu algumas boas frases, e a resposta vinha com tantos detalhes, Justino era tão detalhista na exposição dos planos, falava com sentimentos, era exímio nas explicações, que a não realização daquilo seria impossivel, acreditava. Agora tinha que elaborar para si mesmo outras perguntas. O novo gerente, o novo gerente... adormeceu.

7 comentários:

Sueli Maia (Mai) disse...

Nova Iorque é bem sonora
I o r q u e...
Quando eu era criança eu dizia coisa parecida - morarei em nova iorque - vou morar no estrangeiro... Mas, por enquanto, meu estrangeiro sou eu mesma.

Gostei de imaginar a leitura de um livro na cobertura de um edifício, sob o céu, desprotegido ou apenas com o céu a lhe proteger.
"...o mundo era só seu, comodamente deitado"

Me fez muito bem, ler este capítulo, Dauri.

um beijo

mundo azul disse...

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...também eu estava com saudades de ler o que você escreve!
Gosto da sua narrativa, do seu modo de encaminhar a história... Como um novelo, que é desenrolado lentamente.

Beijos de luz e o meu carinho!!!

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Paula Barros disse...

Me senti tão próxima de Dias, que deitei ao lado dele, sem incomodar.

"olhos para localizar um rumo, o cruzeiro do sul da sua vida naquele homem" - Fantástico!

Peguei a dica do livro, quem sabe um dia conheça algo do autor, vou pesquisar.

beijo

CARLA STOPA disse...

Será um prazer estar mais próxima...Admiro teu trabalho.Grande abraço...

Mell Renault disse...

Seu canto aqui me inspira não só ao sol, mas a danada poesia que me consome sempre!
Queria poder trocar umas idéias, prezear poesias e cafés contigo,;;;
amadurecer contos e encantos para quem sabe um dia escrever assim, tão imensamente como você.
Um abraço!
Mell

Paula Barros disse...

Esses pássaros (imagem do blog) me lembraram os tuiuiú que vi no Pantanal. Era emocionante vê-los numa plantação de arroz. Muitos. E neste dia vi muitos pássaros, de todos os tipos, revoadas lindas. Bati muitas fotos. E justo neste dia perdi a máquina. Fiquei tão triste. Mesmo lembrando que eu tinha os olhos para ver, mas eu queria minhas fotos daquele dia.

abraço!

Paula Barros disse...

E sabe que eu já pensei a mesma coisa que Mell, e fiquei imaginando uma oficina literária, ou um lugar que a gente pudesse fazer perguntas e você responder. Tipo: O que estás lendo atualmente? Como é o seu processo criativo? E tantas outras.

É bom saber que outros leitores se sentem assim, bem parecido como me sinto ao ler o que você escreve.

beijo