24 janeiro 2011

Inesperado sol

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No seguir dos dias, já na puberdade, quando seus desejos anunciaram uma nova luta, uma a mais dentre tantas, Dias abandonou as rezas. Pedira umas vezes, não muitas mas bastante, que a santa do dia vinte e cinco quebrasse a roda das engrenagens, mas a vida se ia girando nos mesmos eixos sem sinal de desistir, girando, girando, girando. Desacreditou que a santa tivesse esse poder, quebrar as engrenagens dos destinos, não sabia o que fazer com o seu, com as proibições que lhe eram impostas sem os devidos entendimentos com as forças que lhe moviam o olhar, enrijeciam o corpo, angariavam-lhe o sangue e o amor. Há engrenagens que não se quebram, se azeitam, há engrenagens que enferrujam, mas não se quebram, há coisas que se esquecem, dores que se incluem nos pertences mais íntimos. Pensava nisso enquanto se aproximava da entrada do bar, olhou para o céu, tinha que encarar a vida, mais uma vez, e assim tinha que ser, não se entristecia. Dias assumiu seu lugar no balcão sem olhar para o estivador ao lado, queria distância. Justino demonstrava impaciência. O estivador procurou, procurou, discreto, esperto, até que foi capaz de chegar aos ouvidos de Dias, naturalmente, como se falasse coisas do trabalho, para impor seus domínios. Percebi seu interesse pelo tal gerentinho, lhe conheço rapaz, você presta atenção, você presta atenção. Aquele você presta atenção repetido que no passado funcionava como um controle, uma corda, uma rédea, um prenúncio de violência, ali dissipou-se no meio do barulho e da música, fez de conta que não ouviu.

5 comentários:

Jacinta Dantas disse...

E dias, então, vai percebendo que nem Santa Catarina é capaz de dar conta de seus confligos.

No seu caminho, o estranhamento no corpo e do corpo que se tem... ciclos, tempos, enfrentamentos...

E dias tenta fugir mas sabe que precisa enfrentar a intolerância do outro.

Paula Barros disse...

Desde que Dias surgiu que fiquei pensando na sexualidade dele, lá no capítulo 36 essa curiosidade me despertou. São frases que fica algo subtendido. Mas que ao ler, me fez pensar qual o caminho que o autor daria/dará.

As engrenagens da vida, da mente, dos sentimentos, que a gente não tem domínio. Esse é daqueles capítulos que me enroscam, me enlaçam.

Você tem uma escrita muito diferenciada.

abraço!

Paula Barros disse...

Dauri,

Se lesse seus contos em um livro, teria muitos trechos grifados, muitas observações feitas de lado.

Nossa, essa da engrenagem, eu leio, releio, entre os elogios chamo até palavrão, e me emociona pela sua capacidade de escrever algo assim, e me emociona porque toca lá fundo.

E vou acompanhando, puxando o ar, segurando as lágrimas, e aplaudindo.

bjs

CARLA STOPA disse...

Essas involuntárias engrenagens...Gostei do teu espaço...

Sueli Maia (Mai) disse...

Dias tem um lugar no balcão e fica por alí. Há engrenagens que emperram e há coisas que teimam em voltar.

Você consegue dar curso aos rios...rios de palavras.

um beijo