16 janeiro 2011

Inesperado sol

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A um passo, Dias ficou a um passo do que poderia fazer, pegar aquele molho de chaves, não sabia exatamente para quê, talvez para devolver no dia seguinte com uma desculpa qualquer, ou para tentar abrir quem sabe certas portas, já imaginava dinheiro, algo de valor por detrás de alguma fechadura naquele mundo abandonado e enferrujado de galpões e galpões e galpões, casas velhas, salas abarrotadas de papéis, escritórios empoeirados, mas teve um descompasso entre o que poderia fazer e o que acontecia naquele momento. O gerente, sem saber, tornou-se um outro caminho, uma outra possobilidade. Sonhos que recorrem, uma ilusão de amor, estas coisas difíceis, ainda mais para ele, ilusões que sempre voltam, desejos que sempre estão à porta pedindo realização. Ao invés de tomar aquele molho de chaves preferiu aproximar-se mais do gerente, decidiu isso ao conhecê-lo no baile, aquele rosto entre o preocupado e o pensativo, o modo com que olhava a todos mesmo quando levava o copo de cerveja à boca, seu jeito de levar a amiga na dança, o braço sobre seu corpo apoiando a mão firme na lateral do quadril, enlaçando-a, quase enlaçando suas nádegas, puxando-a para sí ali embaixo e afastando-a na altura do rosto, negando-lhe na dança a intimidade que não fosse aquela, dos quadris apertados um sobre o outro. Ganhar sua amizade, não seria fácil, ou seria, teria que agir.

A estratégia agora, nem de todo era uma estratégia, o que seus pensamentos definiam agora era que devia agir com umas boas doses de humildade e paciência, paciência não teria muita, na humildade talvez fosse capaz de conduzir suas atitudes mais facilmente, não por lhe ser esta uma característica própria, mas pelas humilhações, pão de cada dia. Sentiu perder a excitação, o corpo se afrouxava, a mente não. Desenrolou-se logo de tudo pedindo desculpas, O senhor deve mesmo estar cansado, e eu aqui incomodando o senhor com esta conversa, mas pode contar comigo, ajudo no que for possível. Bateu a porta da caminhonete, afastou-se dois passos para trás e esperou o gerente dar partida. Viu aquelas luzes vermelhas se indo, desejou ir-lhe atrás, mesmo que a pé, correria, isto é certo, se cedesse ao desejo, a casa não ficava longe, e chegaria logo depois, mas virou-se e voltou para o bar. Antes sentou-se num degrau de uma casa ao lado do bar e ficou pensativo, fumando. Sentiu um leve movimento na boca do estômago, algo que se aparentava a um soluço, tinha este sintoma quando queria falar e não falava, quando engolia as próprias palavras, amargas na volta para o fundo da garganta, grossas e ásperas, um soluço, precisava beber alguma coisa, levou novamente o cigarro aos lábios numa tragada mais forte puxando a brasa bem próxima dos lábios.

5 comentários:

Jacinta Dantas disse...

Que seja benvindo à história, com seus desejos e fantasias, o recém chegado Dias.

Paula Barros disse...

Dauri, foi bem oportuna a observação sobre o narrador, e o novo foco.

Não é fácil acompanharmos uma história pelo blog, expectativa, comentários (o quê e como comentar?), e no meu caso quem me embala é o misto de curiosidade, de emoção, de expectativa do andamento da história, apreciação da escrita....

Fico imaginando o que você vai nos trazer de novo. Acompanhar aqui é pensar na vida, porque nunca sabemos como será o nosso dia, o nosso próximo capítulo, quem vai aparecer e interagir com a nossa história.

Quanto o capítulo de hoje, tem vários pontos que me chamaram a atenção, vários.

E este mexeu:

"Sonhos que recorrem, uma ilusão de amor, estas coisas difíceis, ainda mais para ele, ilusões que sempre voltam, desejos que sempre estão à porta pedindo realização"

Ou o final, sobre o soluço, muito criativo.

abraço.

Paula Barros disse...

Dauri, ficou tão lindo estes barquinhos, gostei demais, e bem diferente do que vemos nos blogs.

Mesmo sabendo que você tem muitos afazeres, vim me queixar que não está atualizado, sinto falta de ler. Aguardo...mas não demora.

um abraço.

Paula Barros disse...

Ah, os barquinho se foram. Aqueles barquinhos me lembraram uma foto que tirei numa praia do Espírito Santo.

Este carro me lembrou um poema seu. Porque eu viajava junto com o personagem, ouvindo música, cabelo ao vento, e com uma vontade de fugir danada. rsrs Tentei achar o poema, não consegui.

Relendo seus poemas, me dou conta, do que já tinha me dado, o quanto é intensa a sua escrita, o quanto é bonita. Mexe forte.

E essas imagens, as dos barquinhos, a do carro, este rapaz, a estrada, a flor...a flor vermelha no desenho preto e branco, dá para se desenvolver contos, ou poemas.

abraço.

Paula Barros disse...

Dauri, já estou ficando com vergonha de passar todo dia aqui.rsrs
Vamos considerar que sou uma funcionária e que vim bater o ponto. Cadê o gerente? rsrs

Super, super interessante esses desenhos que tem colocado, e o nome assim na proa. É uma outra forma de viagem, palavras, sons, imagens...

Ontem achei o poema que falava do carro. E fico a pensar se as imagens tem relação com contos e poemas. Porque tem aquela sua série que falava de navio.

Muito bom. Beijo