04 dezembro 2008

O poente

– nada, mãos vazias, banais,
invenção para ocupar tempo,
um verniz que não brilha.
A alma desenha levemente,
em aceitações e desgosto,
os jubilares tempos de so-long, bye-bye.
O que faço? pequenas caminhadas
entre o quarto, a cozinha e este assento ao sol,
e outras mais audaciosas aqui
pelas ruas que me são próximas.
Outro dia vi. Um corpo. Rígido. Reto. Senti.
O quê? Medo. Tu não sentes?
Mas retomei os jogos, a tevê, pequenas tarefas.
Proíbe-me, grito, proíbe-me de falar.
Inoportuno me falo, inútil
me vejo
ouvindo o que não adianta.
Guardo amor, amor, tanto amor, mas ainda assim,
despedaço. Não é suficiente o amor,
a vetustez não tem beleza. Nenhuma.
Uma vez vermelha a fruta,
não lhe sobra outra cor depois
senão uma, aquela que tu sabes.
Perdão, não te assusto,
me assusto. Proíbe-me.
Quando me soube, assim,
extinguindo-me, optei pela ilusão e
desenhei uma vertigem de prazer na queda.
Em libação, caio. O gesto oferente é lindo.
Imagina a taça de vinho, do tinto
vermelho-afogueado, um sol
se pondo, e da borda dourada do cálice
uma gota, eu, caindo. Lindo, não?
Degusto a queda. Sou eu mesmo deus
que sorve sequioso a oblação. Minto.
Tenho outra saída?
O poente me abruma as verdades.

7 comentários:

Sueli Maia (Mai) disse...

Ah! Dauri....
És muito. És...

Não lembro de ter lido algo que tenha-me arrebatado a juvenil-meia-idade...(jamais saberás que idade é esta..:)Sou praticamente uma fênix.
Neste poema eu toquei rugas, cabelos grisalhos, medo, impotência.... Tudo juntos.
E vi a finitude de véspera.

Não sei o que dizer.

Um beijo.

lula eurico disse...

A queda em oblação. O sol também cai, poente. Cair, cadere, occidere, ocidente. Todos nós caímos de alguma maneira, quando um de nós cai.
Belo e denso texto.
Denso e belo, Poeta.

Anônimo disse...

O pôr-do-sol é sempre inspirador e... quente? hahaha

Mas gostei, me senti envolvida pelo poente ;D

;*

Plinio Uhl disse...

Dauri, muito obrigado pelas palavras lá no blog. vc é um mestre com elas, seja um poema, seja um comentário amigo, seja o q for.

Sinto-me inadequado para analisar seus textos. Sei que gosto das suas escolhas. Os versos quase sempre herméticos, a sonoridade em cadeia, as personagens várias, a visão intimista, quase espiritual, de temas cotidianos. Mais, não saberia dizer.

Abraço enorme.

Márcio Ahimsa disse...

...é, a tarde cai sobre nós como um lençol, e cobre algum cheiro e algum sabor de orvalho que a manhã nos deixou... é arrebatador o enigma, sol estacionado entre o dia e a noite, crepúsculo. No coração, um açoite de mim ferrões, mil escorpiões lambem a crosta da alma e nos impele para baixo, olhos ao longe, vento varrendo a poeira do tempo que jaz como uma janela que, enferrujados os ferrolhos das dobradiças, permanece ainda aberta, à meia luz...

Não tenho palavras, amigo.

Abraços.

Dauri Batisti disse...

Amigos, o travessão no início sempre anuncia uma fala de um personagem. No caso, aqui, um velho lúcido e pessimista com seu fim.
Estes poemas tenho criado como se estes personagens respondessem perguntas (de um reporter) sobre a vida que vivem. As respostas são ora vagas, ora claras. Eles falam dos cenários interiores onde se encontram.
Este é um pequeno esclarecimento para ajudar a leitura.

Obrigado pelos comentários.

Plinio Uhl disse...

mas Dauri... não era pra mexer, não. gosto do hermético, das coisas q fazem pensar, imaginar. é por isso q gosto do seu trabalho, faz parte do seu estilo.

abs!