13 dezembro 2008

Horas vagas
(Encerrando as desconexas horas)

I.
Falou a moça apaixonada,
de hoje não passa essa dor de amor.
Vou jogar a folhinha no riacho,
com ela irão todas as horas e datas.
Amanhã sentirei que falta algo
e direi onde foi, diacho, que guardei
minha agulha de crochê.

II.
O espelho, quando eu menos escutava,
retrovisou-me e me fez saborear
duas vezes o mesmo lugar. Sim.
Na primeira vez eu cheirei um pardal
na segunda eu toquei em Deus.

III.
Poemas até podem ter sabores,
cores. Flores, doces, podem ser.
Mas também há que se reconhecer
aqueles, como estes, que se inscrevem
nos entremeios agridoces
das asperezas das sementes de cajá.

IV.
Amanhã é o dia santo,
dia de abrir garrafas onde se prende capeta.
Quem tiver uma, aproveita,
pra se livrar do bicho e fazer boa obra.
Quando eles tentam redemoinhar
soltos, sem que se apercebam,
eles se estercam no chão
e adubam os cafezais.

V.
A força da enxurrada
assustou o cardeal.
Ele olhou para o chão
e por entre seus sapatos vermelhos
se agarrou uma palavra da correnteza
que dizia, agora, exatamente agora,
agora mesmo,
alguém pode ser feliz.

8 comentários:

Sueli Maia (Mai) disse...

Ah! Dauri, oh! Diacho de poesia...
Minh'alma precisa de unguento.
As moças apaixonadas, suspiram e choram e esquecem coisas e soltam folhas no riacho.
E muito mais, e mais a mais, são moças que ficam com os braços na janela por todas as horas de um dia, dois ou mais, em que os poetas escrevem suas cartas aos deuses.

pfff...
De novo , onde foi que larguei os lencinhos de papel?
Diacho...

Beijo-te, adoro-te.

Josely Bittencourt disse...

quanto capricho em cada cena. e agridoce: adoro!


beijos

eder ribeiro disse...

Aproveitando o fechamento da poesia quero aqui lhe desejar que em 2009 vc seja feliz. Até o ano que vem amigo. Tim-tim.

Anônimo disse...

Otimista, legal... não consigo escrever sobre isso

Márcio Ahimsa disse...

Puxa Dauri,

agora fiquei contemplativo da minha infância lá no grande sertão das Minas Gerais onde nasci e desabrochei os primeiros anos da aurora da minha vida. Um bule de café coado na hora, um fogão trepidando a lenha, um forno de barro, minha velha e querida avó preta contando uns causos das travessuras de um tal de Pedro Malasartes, meu pai com medo dos sapos que tinham no brejo no fundo do nosso quintal, o bolo de fubá, as festas dos dias de reis, festas juninas, as procissões e a fé daquela gente tão simples e tão grandiosamente humana. Isso tudo mora em mim aqui em meu coração, em minha pele, em meu viver.

Muito bom mesmo esses seus versos, essas suas horas vagas.

Dois Rios disse...

Coisa boa de se ler, Dauri!

Vez por outra retroviso-me por onde já passei, vivi, sorri, chorei, e morri. Houve vezes de tocar em Deus, mas outras tantas de tropeçar no diabo.

Que venham infinitas horas vagas. Que seja decretado feriado eterno.

Beijo,
Inês

Joe disse...

É curioso, não percebo exactamente tudo aquilo que pretende transmitir com os seus poemas neste blog, mas gostei mesmo de ter lido alguns deles. E a ideia das séries é bastante original. Vou passar por cá discretamente mais vezes.

Germano Viana Xavier disse...

Gostei deveras da hora número III, Dauri. E senti falta da hora extra. O azedume do poema talvez seja a hora mais visível do sentir. Ou não. Pathos.

Abraço forte.
Continuemos...