05 agosto 2008

Poema inacabado (de uma dor que continua)

Respingos brilhantes de gritos no chão,
gritos desafinados de dor, sem som;
gritos para dentro transformados em olhar,
olhar repartido em mil pedaços dizendo lições
com palavras tão fundas que ninguém consegue alcançar;
olhar que me olha com doçura e falta de ar;
olhar que me mata de amor sem amar, só me ama de olhar
sem saber que me ama, como o pão não sabe que é pão, e sustenta;
olhar de três anos, vida que começa e finda, criança
com uma doença incurável no pescoço, na garganta, na boca
que me olha e aponta, sem poder comer, para um pedaço de pão.

Meu Deus, meu Deus, me fizestes ver. Quisera eu vos fazer ouvir
os respingos que vêm do chão. Não consigo
mas teimo e digo se não me ouvis, desabafo, desabo em palavras,
em loucuras de falar afino meu brado em engasgos, mas falo:

Ó Senhor das grandezas e das imensidões
por que nos acendestes como fagulhas de estrelas
e nos permitis apagar em universos de escuridões?

11 comentários:

Joice Worm disse...

... É as vezes muito difícil aceitar certas posições da vida e de vidas. A tenra idade jamais será aceitável que seja vencida pela morte.
Lembrei do suicídio quando dizes que "como o pão não sabe que é pão, e sustenta", pois a pessoa que se mata, não lembra que é importante para alguém...
(abraço forte para ti, Dauri)

Unknown disse...

Boas dores sempre ocasionam bons poemas, bons posts, boas novas realizades. Entre a experiência do novo e a vontade de ter o que não se pode, há o espaço do que fica, pq realmente preenche. Bjos.

Anônimo disse...

Aceitar o inaceitável, como dores, doenças, vida que começa findando, nunca será fácil... se o natural já é difícil!
Lágrimas no chão, na face, na alma...dor de não se poder fazer nada...
Talvez o Senhor que nos acende, nos mostre sua fortaleza diante da nossa impotência!
Preciso buscar mais perfume nas flores que recebo todas as manhãs.
Grande reflexão na sua palavra.


Bjos

Anônimo disse...

Vi uma criaça doente. E olhar dela, que "diz" mais que mil lições.
(Li, uma vez, que o sofrimento infntil é talvez o maior impedimento de se crer em Deus).
O adulto, quando sofre, tem mais recursos para se defender da dor.
Mas, a criança, não. Ela sofre, perplexa, na sua inocência.
É mesmo o caso de se clamar aos Céus, o porquê de tanta incoerência: entre "fagulhas de estrelas e universos de escuridões".
Esse poema não se acabará nunca, porque o sofrimento infantil não se acabará, com certeza.
Infelizmente...
Beijos, poeta.
Dora

Camilla Tebet disse...

Nossa.... fiquei sem palavras. Não sei se senti a dor também ou se me consolei com a pergunta final. De tantos universos possíveis, em tantos tempos diferentes, as vezes escuros, ás vezes claros.E é assim.. uma dor que não acaba. Só a consciência do infindável, consola. Lindo texto.

Carlos disse...

Olá,

A morte , a injustiça, a fome e a doença são sofrimentos inacabados .
trouxe aqui uma dura realidade, que só na morte se alcança a liberdade.
é uma verdade nua e crua,mas neste Mundo de tanta maldade é a fuga " possível" para alguns , infelizmente.

Gosto da sua escrita.

Um abraço

Anônimo disse...

caminhos árduos na e da vida, que por vezes o extremo é alívio, e outro caminho, ainda desconhecido. texto de muita densidade, para ser lido mais vezes. garnde abraço.

Jacinta Dantas disse...

Nossa,
essa (des)ordem que se apresenta no viver me (des) orienta. Qual é o tempo do sofrimento e para quê?
Jacinta

Josely Bittencourt disse...

Matéria que fez com que muitos não mais indagassem, para parte destes a grafia é o interlocutor para tais questões, que o silêncio nunca deixa de ser resposta.

Dauri, beijo e bom fim de semana.

Katia De Carli disse...

Sabe, há tantos universos de escuridão na minha vida, que aprendi a valorizar cada lampejo de claridade... e sigo assim, quando dói demais, vou tateando no escuro...
Vou te escrever essa semana marcando "O Encontro"
beijos

Luis Eustáquio Soares disse...

salve, poeta, que seu poema é metamórfico e vai de desdobrando ou metamorfoseando em gota, em luzes, em danças calidoscópicas de formas, multidão, abrançando cosmos.
saudações
luis de la mancha.