04 outubro 2011

Gave me the gift old song


Se lhe falo talvez você venha a me entender. Talvez. Como a tarde se avizinha de palavras sussurradas é bem provável que você se avizinhe dos meus pensamentos. São tantos, me perco e talvez você se perca também. Personagens fugazes confundem o leitor. Perdoe-me. Olhe, se possível, olhe o que corre na voz de Nina Simone, ali estão algumas caligrafias, muitas palavras que aquele personagem queria dizer, e não disse. Ele só cantava uma canção, uma canção que se lhe tinha sido dada. O nome dele era Epifânico, e trabalhava com lavouras, umas cabeças de gado e fazia arte com couros, selas e arreios. Sua voz era densa, corria as montanhas em lombo de cavalos marrons e lá do alto gritava o grito do mundo, ou outro grito, não sem o mundo. Ali ele espreitava o mar, quem sabe veria um pedacinho do mar, se dizia que se avistaria o mar da montanha certa, dalí, pelo olhar ele fazia soltos seus anseios de ir-se até o mar, de subir o Convento da Penha e rezar, agradecendo a canção que lhe vinha à mente sempre que voltava pra casa e encontrava os filhos, todos pequenos e barulhentos em torno da esposa, sob a luz parca de uma única lâmpada pendurada em fio bem do centro da cumeeira. Mas ele queria dizer isso que agora lhe entrego como missão. Por favor. Diga você. Ele se foi, não entrou em nenhuma história, ainda não, talvez ele mude de profissão, talvez seja aviador ou preparador de mudas de cerejeiras. Mas, de mais, o que se pode contar? Para que se avizinhe você do que peço, digo que restaram as montanhas, tantas possíveis poesias e a voz. As montanhas doces do Espírito Santo, um pequeno rio que deságua talvez no solene e alargado rio doce, possíveis poesias e outras histórias que você inventará, como esta, assim, como esta, de marca e cicatriz de chuvas e tardes que parecem tímidas crianças em primeiro dia de escola. Você sabe reconhecer essas tardes, eu pressinto. Tudo o que o amigo, a amiga precisa para dizer as palavras do Epifânico está ali na voz. Se bem que me exagero no que pesa nessas chuvas na janela; algumas caligrafias estão ali na voz, outras estão no que pousa como pássaro sobre suas próprias mãos. Seja abundante na recolha das palavras, naquelas que diria o Epifânico, e que venturosa e suavemente agora dirá você. Ali, veja, ali, bem ali, na voz de Nina Simone que canta Compensation.

2 comentários:

Dauri Batisti disse...

No link acima na palavra compensation você pode ouvir todo o album Nina Simone e piano.

sonia regina disse...

olá,Dauri
Ouvi a música,por sinal maravilhosa,confesso que me marcou bastante.
Prometo que vou pensar na missão,como sempre seus contos são belos e nos levam a refletir.

abraços
Sonia Regina