21 março 2011

Inesperado sol

63

Vamos deixá-la descansar, continuava alguém orientando as pessoas enquanto Augusto se retirava do quarto seguido por Dias, saía apertando as chaves na mão direita, como a sentir as gotas pegadiças daquele olhar preso nelas, sabia que ali estavam camadas sobrepostas de coisas depositadas por aquele olhar morimbundo, sentia vontade de perguntar se ela se sentia no desejo de dizer alguma coisa sobre as chaves, mas achou-se mesquinho em querer saber aquilo, sobre o que abririam, que portas abririam aquelas chaves, mas decidiu ir buscar o padre, uma corda de varal se rompeu nele e deixou arrastar no chão a roupa limpa, tudo teria que ser levado ao tanque novamente, em outro lugar, talvez, mas podia assumir aquela nova identidade, ser o tal o gerente e ali seguir até quando desse, podia arriscar, deveria ou não arriscar?, gostaria de ficar, não sabia afinal, agora o que importava era ir buscar o padre, vamos rapaz, vamos rápido, disse para Dias que o seguia, já na boleia da caminhonete Dias explicou que deveriam ir até o Suá, não muito distante daquele pequeno parque industrial abandonado, mas fora dos seus limites, e esta seria a primeira saída que Augusto faria naqueles dias daquele lugar, ali bem ou mal tinha se sentido protegido, como se sua fuga tivesse alcançado o ponto mais distante, mas a corda rompera-se, a corda do alívio, haveria de retomar os pensamentos e as decisões, matara a própria mulher, acidente ou não, matara-a. O dia se ia ainda naquelas horas bonitas que se estendem até três horas da tarde, mas nele o fumo cinza do entardecer ja tingia de leves tristezas seus olhos escuros, momentos de lembranças inesgotáveis, lembranças que nublariam todas as tardes que ainda viria a viver ao longo dos seus anos.

6 comentários:

Márcio Ahimsa disse...

ao longo dos anos,
a nós, nuvens espaçadas,
copa fragmentada
de um tempo
de lembranças,
onde os olhos,
cheios de janela e rua,
pendem à canseira
de uma vida
de solidão...


Abraço, Dauri. Essa Epopéia em conto está maravilhosa.

Dauri Batisti disse...

Neste capítulo 63 deste longo conto, INESPERADO SOL, a narração volta para a perspectiva do Augusto, o suposto gerente.

MARIA HELENA disse...

Estou curiosa para desvendar o poder ou mistério das chaves.
Lindo o entardecer dos olhos(vida)
Abç.

Ilaine disse...

Cordas se rompem... Lembranças ficam. Está lindo, Dauri. Beijo

Loba disse...

e novamente a busca do divino na figura do padre.
interessante ligar o alivio à corda, como se ele pudesse esticar, encolher, enroscar... algumas imagens que vc cria dão enorme ampltude aos signficados.

Anônimo disse...

Preciso escrever, para não sufocar em meio à dor do amor,

Poetas que me lêem o que sinto é tão puro,

E tão intenso, A minha esperança que mesmo em meio a todos os elementos digitais a nossa natureza se desfrute ao encontro.

Meu deus! O amor é tão raro e não parece mais necessário,

Meu Deus! Imensamente desencontrado!

Dizer Eu te amo! É quase uma ofensa a tanta correria,

Dizer Adeus é abandonar este mundo aqui. Poetas: O que fazer?

Poetas não desistam de mim.