19 fevereiro 2011

Inesperado sol

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Tinha esperança, mesmo na negação do que desejava tinha esperança de um momento na ilha, e esta idéia nem lhe passara pela cabeça até que o gerente apontasse para lá com curiosidade, o que desejaria ele naquele passeio?, podia ser a curiosidade insípida de quem não tem o que fazer num domingo, ou não, um momento naquela ilha com o gerente, não queria aliar uma história com outra, a que vivia agora e aquela com o estivador, insuportáveis lembranças, mas gostava da ilha, misturava, dividia-se em vacilos, chamá-lo de Augusto, forçar nas palavras o primeiro passo da intimidade, ou senhor Augusto ou senhor gerente, mas os meninos traziam-lhe um alívio, um recado, uma contrariedade, os sentimentos se adensavam em junções, de través, os sentimentos sempre são travessas sobre as quais se colocam telheiros, sonhos de abrigo. Fala menino, o que houve, por que este desespero? Sua avó pediu pra você ir buscar o padre lá na igreja de São Pedro, dona Estelita está morrendo, disse pra você pedir ao gerente o favor de ir  de carro, rápido, podemos ir também? falava o capitão já sem tanta ofegação, interessavam-se pelo passeio, ainda não se davam conta dos extremos da linha, tão vivamente seus novelos de vida estavam trançados, aglomerados de voltas e extensão, que não se davam conta das extremidades, do começo lá onde não sabiam, e fim, fim inalcansável e inexistente ainda, a roda gira, gira, as engrenagens não param, nem Santa Catarina consegue. Dias olhou para o gerente, este tinha os olhos naufragados, barco afundando em águas paradas não de calmaria, de placidez, mas da quietude de dias fortemente nublados quando as sombras das nuvens iludem de paz o embate, olhava para os meninos sem ouvir, sem se interessar pela agonia de morte daquela pessoa, mas logo, de salto, pos-se de pé e tomou a chaves, junto as quais tinha agregado a da ignição do carro e, vamos!, disse decidido, foi andando.

10 comentários:

Zzr disse...

Você sempre ativo nesse mundo blogueiro! Adoro vir aqui e ver sempre tudo novo e tão bem escrito. Um abraço!

eder ribeiro disse...

Seu texto pipoca de imagem, porém, fico com esta frase: Dias olhou para o gerente, este tinha os olhos naufragados, barco afundando em águas paradas não de calmaria, de placidez, mas da quietude de dias fortemente nublados. Não haveria melhor maneira de descrever a solidão. Abçs.

Paula Barros disse...

Ia comentar o texto, mas o 14 Bis me deteve...fui lá para a infância, meus livros, minha tentativa de desenhar o 14 Bis e o retrato de Santos Dumont com o chapéu enorme...nossa, vai vindo uma passeata de pensamentos, um puxa o outro, a casa dele em Petrópolis...a vontade de voar..

A imagem de ontem me pareceu um Samurai. E fui ler sobre o Samurai. Muito interessante.

E as flores hoje me pareceram orquídeas..e foi mais um sucessão de pensamentos, de lembranças, de imagens, de fotos...e me fez também associar, a delicadeza, cuidado, beleza.

beijo

Paula Barros disse...

"os sentimentos se adensavam em junções, de través, os sentimentos sempre são travessas sobre as quais se colocam telheiros, sonhos de abrigo."

Este trecho me chamou mais a atenção, e sempre tem mais, só que meu comentário iria ser quase citação do seu texto todo. Porque tem a beleza poética, e tem a reflexão, mas já disse isso em outros comentários.

abraço

MARIA HELENA disse...

Gosto imensamente da mudança brusca dos movimentos do seu conto(romance).Os pensamentos dos personagens são descritos de tal forma que os tornam palpáveis e ao mesmo tempo obscuros Ainda não consegui traçar um perfil claro do Dias.Você deu dicas ,mas eu ainda estou meio que enrolada nas suas engrenagens .
Estou acompanhando com prazer!
Abç

Paula Barros disse...

Dauri, está ótima a imagem.

Obrigada pelos seus comentários, sempre obrigada. É bom.

No aguardo do próximo capítulo.

abraço.

Paula Barros disse...

Dauri, o seu último comentário lembra um texto que escrevi, e ainda não postei, que fala que o leitor às vezes tenta ler o autor, e eu às vezes caio nesta falácia, mas eu gosto mesmo é de me ler, de tentar sentir onde minha emoção teve ressonância naquele texto. É este caminhar que gosto, é este andarilhar que me prende, e que por vezes me faz escrever.


Tem horas que dá vontade de conversar contigo.

beijo

Ilaine disse...

Ilha - um lugar que por si ativa a imagnação. Um espaço limitado e a água por todos os lados. Ilhas são lugares, muitas vezes, encantadores e de limitação natural, nasce o inesperado. Mas sim, pelo que sinto, Dias quer navegar até a ilha. Quer habitá-la mais uma vez. É o seu sonho, ainda que esteja a relutar...

Um capítulo, "como uma travessa sobre a qual se colocam" muitos enigmas. Beijo

Loba disse...

Dauri querido,
desculpe a demora pra comentar. Há dois dias estou com seu blog aberto. É leitura que a gente não quer parar!
Acho que agora estou seguindo esta maravilha de conto. E pretendo continuar. Seus escritos sempre foram e serão preciosos pra mim, poeta. Sempre aprendo contigo.
Um grande beijo

Luis Eustáquio Soares disse...

salve, dauri, são esses os aglomerados, de volta e extensão, de ficcções entrelaçadas na memória do futuro, a-vir, veio,
virá, como extensão aglomerada de voltas que não são elas mesmas, outras que se fazem, ao escrevê-las.

saudações,
luis de la mancha