14 fevereiro 2011

Inesperado sol

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Enquanto conversava com o gerente, um lençol caindo sobre a cama quando a mão macia de vento faz o pouso suave e aberto do pano, Dias foi caindo outra vez na idéia de que o que acontecia era mais uma cena de filme, dessas cenas sem história de começo meio e fim, apenas quadros que depois juntaria, as cenas eram importantes não o que elas contavam, a história apareceria depois, quando dos cortes, queria estudar cinema, onde se estuda cinema? Em Nova Iorque, mas Nova Iorque fazia parte das cenas cortadas, cenas com o Barroso, talvez no Rio de Janeiro, olhou para o rapaz ao seu lado e desejou fechar a câmera, aproximar-se daquelas expressões, aproximar-se de cada vinco, de cada fio de barba, dos lábios finos e apertados, do movimento da camisa sobre o peito, ir com a câmera até ser possível sentir os odores daquele corpo, mas às rápidas, como se o diretor estivesse embriagado, o foco foi se desviando para os seus próprios pés, que balançavam ao jeito de um menino posto sentado num banco mais alto que as pernas e ficasse esperando a mãe, balançavam, balançavam num prenúncio de que alguém se atiraria na água, de que o calor insuportável da situação terminaria com uma queda n'água, desejos dominados, desejos em luta, embates árduos..., e amor?, amor se domina ou o tal domínio se exerce somente sobre os desejos?, quem sabe de amor? quem sabe o amor tenha um caminho que não aceite o domínio da vontade, o desejo é cavalo passível de adestramento, amor não, não precisa disso, ele já é certo, mestre de si mesmo, vem e vai quando bem entende, não sabia exatamente o que sentia por aquele homem, pensava Dias, mas, o que queria a avó ao entregar tais números ao gerente? poderia não ser amor, de uma hora para outra, o que poderia ser aquilo que crescera dentro dele? Tenho este molho de chaves e estes números, de nada me servem, estas chaves abrem portas sem importância, e gavetas vazias, disse o gerente, preciso entender melhor umas coisas, penso que sua avó poderá me ajudar, avise-a que preciso ter uma conversa com ela, por favor.

10 comentários:

MARIA HELENA disse...

Li,reli,tresli e com certeza lerei novamente.
Onde encontra tanta inspiração?
Abç

Paula Barros disse...

Me encontro igual a Maria Helena. É impressionante a construção dos seus textos, os caminhos que eles tomam, ou melhor, que você os dá.

Diz à avó que eu também preciso conversar com ela. rsrs

Me fez pensar, entre o muito que seus textos nos leva a pensar, que amor e admiração se confundem. Ou que a gente só devia amar quem a gente admira, admira em muitos aspectos.

E talvez isso me veio à mente, porque faz pouco tempo que tentei escrever algo sobre esta ligação - amor - admiração.

abraço.

Ilaine disse...

Dauri! Sim, seus escritos são de uma profundidade impressionante. O molho de chaves que abre, que pode desvendar. E o amor em seus conceitos tão bonitos: "...amor tenha um caminho que não aceite o domínio da vontade..." Eu te leio e vejo as cenas, como um filme no cinema. Beijo.

"...um lençol caindo sobre a cama quando a mão macia de vento faz o pouso suave e aberto do pano..." Adorei simplesmente!

Paula Barros disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Paula Barros disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Silvio Locatelli disse...

realmente inspiração vem de berço... PARABÉNS!

Priscila Lopes disse...

Está muuuuito bom!

Paula Barros disse...

Dauri, naveguei nos barquinhos de velas coloridas...agora voo nas asas deste pássaro, que mesmo me passando um sensação de um abutre, de um gavião, e esta sensação não foi boa, vejo nele a beleza da cor, e um sorriso no bico, e vejo as asas...e voo...

E suas palavras sobre amor e desejo, a forma que colocou a aqui, tem me feito pensar (coisa rara pensar. rsrs)

bom dia!

Dauri Batisti disse...

Paula, a ave é uma fenix, a que renasce das cinzas.

Paula Barros disse...

Dauri, obrigada, aproveitei e fui ler mais sobre a fenix.

Tenho lido ultimamente sobre percepção, subjetividade e os fenômenos que ocorrem da relação sujeito-objeto, e encontrei algumas explicação para o que me ocorre (fenômenos) quando leio os seus textos. O que me surge desta relação que eu crie com a sua escrita, este perceber-se, mergulhar, aprofundar, relembrar e o que chamo muitas vezes de voar, que seria libertar memória, e ficar mais leve. É um processo muito interessante. E que muitas vezes não é intencional, apenas acontece.

Voltando a fenix, eu sempre digo, que quem passou por um processo de dor intensa e soube renascer, tem consciência da força que tem, e ver a vida de forma diferente.

Precisa dizer que me vi na fenix, e que me emocionei?

um abraço.