27 janeiro 2011

Inesperado sol

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Já sei, já sei o que se anda passando ai nessa sua cabecinha, quando você para e fica assim olhando as coisas sei da sua derrota, vence a imaginação, voa sabe-se lá pra que mundo, já serviu o exército mas continua um menino, dizia a avó, e completava, venha cá meu filho, venha cá, a vovó quer um beijo, vamos conversar, sim, é isso?, já sei. Não entendia por que ela o chamava de filho e não permitia ser chamada de mãe. Os dias passam e o meu Dia não vem, demora que só, brincava como o nome dele tirando a letra esse. Ao estalinho do beijo no rosto a avó se virou na direção da frente da casa, se antecipava, estavam nos fundos e logo se ouviu o barulho de uma carroça, uma charrete, movido pelo zoar das patas de cavalos e guincho de rodas em eixos envelhecidos, sem que a avó o pedisse lá se foi Dias como dono da casa receber quem chegava, não chegava, apenas vinha pedir ajuda, havia pressa, alguém morria, voltou rápido e topou com a avó no corredor da casa andando ligeiro apesar dos passos curtos, indo sem que lho contassem do que se tratava para a porta da frente e dizendo que Dias se arranjasse com a galinha, o fim do trabalho, voltaria logo que pudesse. Pendia-se a ave na trave, desvencilhava-se e caía das amarras frágeis da avó, imaginava, se assim caindo resgatar a vida fosse possível, seria bom cair, como quando se nasce em parto dentro d'água, era, mas não, não era, nunca mais viveria, ali pendida, cumpria um destino, pêndulo de um estranho equilíbrio, a morte. E se há algo assim junto da carne, outra coisa, o mistério, a vida, isso não cai, isso sobe, diz-se que, mas a cena da galinha caindo pesada como chumbo se lhe prendia na mente, seria grotesco, mas se valorizasse o bico entreaberto e colocasse ao fundo um trecho de Mahler, mas que coisa, de onde vinha essa idéia, Mahler?, aprendera a ouvir Mahler com o sargento no exército, o cara gostava, mas a expressão o cara gostava parece ter sentido duplo, deixa pra lá, a tomada seria estranha e bela, banal e especial ao mesmo tempo, estes bichos domésticos ganham jeitos humanos, traduzem-nos, a inquietude da alma humana nas galinhas, o olhar de engano dos cachorros mais humano que o olhar de santo na igreja, santo mal feito, de gesso, que ângulo escolheria?, a parte penada ou a parte depenada; cães velhos por perto desenhavam olhares de palavras saliventas e sem gramática.

4 comentários:

Jacinta Dantas disse...

Bom dia Dauri!

E vejo a flor, uma flor que chega a mim como Gerbéra, gerbéra azul? é...
Azul.

E acompanho o trajeto de Dias em dia de pensamentos complexos: música-vida-morte.

Paula Barros disse...

A imagem, ah, a imagem hoje, a mulher, a sensualidade, o tom de vermelho, a imagem passando movimento...e ontem senti movimento na flor, e hoje nesta imagem, eu ou as imagens, me pergunto. E sorrio. Sei lá. Vida se movendo, movimento dando vida.

beijo

Paula Barros disse...

Dauri, sempre releito os seus textos, em horários diferentes, seguidamente, o de ontem e o de hoje falam mais do que eu posso apreender.

Hoje fico com esta frase, fala por mim:
"vence a imaginação, voa sabe-se lá pra que mundo"

abraço

Vivian disse...

...Dauri querido,
seu comentário lá em casa,
me fez chorar.

você é um lindo!

bjs, alma linda!