09 janeiro 2011

Inesperado sol

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Aquela casa com seus silêncios ofereceu-se sem resistência em suas portas e recantos como assim se oferecia a casa da chácara nos limites da cidade onde se cruzavam muros e cercas, milharais e oficinas de marcenaria. Ali, logo depois da ultima casa da rua, depois dos últimos paralepípedos, um longo muro e um portão imponente bem trancado, lá dentro, pelas poucas frestas, se via, ao fundo de uma alameda ladeada por mangueiras antigas, uma casa linda, grande, de paredes amarelinhas e janelas azuis. Ali, ainda bem novo, com seus doze, mas suficientemente esperto e pronto para os negócios, sabia muito bem oferecer favores à dona Irene. Lembrava seu passado em sua distante cidade enquanto vasculhava a casa do gerente, procurando portas trancadas ou gavetas, sem descobrir nada. Dona Irene o tinha por moleque protegido desde quando, por esperteza, ele se infiltrara pela chácara para catar mangas, com cara de ingênuo, mas cujo propósito mesmo já bem antes definito era se avizinhar da intimidade daquele sítio onde decerto encontraria algo que lhe fosse do interesse. Tornou-se enfim moleque de confiança da dona da casa, levava e trazia recados para homens importantes na cidade, prestava-se com muita solicitude a fazer favores para as meninas de dona Irene, estava sempre pronto. Sempre depois das aulas se arranjava bem em desculpas para se desvincular dos outros meninos e sorrateiramente ir até a chácara. Passava voando pelas ruas com sua bicicleta, ninguém se dava conta dos seus movimentos e dos traçados que fazia pelas ruas, não repetindo rotineiramente o mesmo percurso e chegando como um anjo que do nada aparece e do nada some. Logo que se sentiu aceito, depois das broncas nas primeiras investidas sobre as mangueiras com pedradas, ou balanções em seus galhos, trepado a ponto de cair, ponto de observação mais apropriado a olhar pelas janelas do segundo pavimento, as mais misteriosas janelas, seus interesses libidinosos insistentemente vazavam em meios-sorrisos, olhares dúbios, meiguice tímida. Não resistiram, caíram-se de cuidados e mimos para com o menino, tornou-se homem. Tornou-se homem frequentando a casa e ao encontrar sua Rosimara se empenhou duramente, como um estoico, a fazer outros passos que não aqueles habituados com os rumos, muitos, que dariam na chácara.

3 comentários:

Dauri Batisti disse...

Querida jacinta, queridos amigos, o título INESPERADO SOL tem mais a ver com a imprevisibilidade da vida. Por ai.

Beijo

Sueli Maia (Mai) disse...

Inesperado e imprevisível.
Cheguei, amigo. Aos poucos lerei tudo o que perdí desde dezembro, mas digo-te que estou feliz duplamente: por teu mestrado e pelas palavras que voltaram em profusão.

Voltarei para ler tudo com calma.
Por hora desejo-te sucesso em teus novos projetos.

um beijo

Paula Barros disse...

Portas e gavetas trancadas, lembranças, expectativas...vou acompanhando o desenvolvimento da história.

abraço.