08 janeiro 2011

Inesperado sol

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Os dias então se sucederam mais rápidamente do que sua dor vinha permitindo desde o acidente e morte da esposa. Ao fim da tarde de sábado voltou do trabalho para a dita casa do gerente, librinava. Quanto mais caia-lhe a ingrata sensação de estar fazendo o que nunca faria, de meter-se em coisas alheias, mais persistente apesar de vagarosa se tornava sua vontade de trabalhar. Esta, a vontade de trabalhar, parecia suceder aquela, a vontade de fugir, fugir para um lugar bem longe, lá onde as lembranças, árvores sem frutos, não estenderiam suas sombras. Mas elas iam, iam, sombras lânguidas, mansas, sorrateiras, e chegavam sempre, infelizmente, marcas arroxeadas que surgem tarde, mas surgem, em carne magoada. Na hora do almoço já tinha determinado a uma das mulheres que cuidasse de umas peças de roupa que usaria à noite no baile que alguns, rapidamente, já haviam organizado e que aconteceria no salão do bar. Seria a personagem principal da festa e não poderia faltar, mas agora a librina que caía era um bom convite para o recolhimento e um sono pesado. O cansaço do trabalho dava-lhe este ganho indireto, mas valioso, dormir como uma pedra, sem sonhos, sem sobressaltos, sem cenas que reapareciam do nada em sua mente como se fossem reais de tão vívidas. Mas teria que ir ao baile, ainda poderia tomar um banho, relaxar por umas horas, sondar talvez portas e gavetas com aquelas chaves.

3 comentários:

Átila Siqueira. disse...

Muito interessante e intenso o seu texto, gostei muito, embora eu tenha percebido que trata-se de um texto em série com as postagens anteriores (que eu não li). Mesmo assim, parabéns pelo texto.

Um grande abraço,
Átila Siqueira.

Paula Barros disse...

O tempo e a dor, tem tempos diferentes, é interessante parar para pensar nisto.

Gosto da sua construção dos textos, porque você vai trazendo algo dos textos passados, sem perder o raciocínio, como esta questão do querer fugir.

E a cada capítulo vou tendo a sensação que muitos fatos podem acontecer.

abraço

Ilaine disse...

"... fugir para um lugar bem longe, lá onde as lembranças, árvores sem frutos, não estenderiam suas sombras."

Sempre assim... surpreendente sua escrita. Abraço, escritor!