05 janeiro 2011

Inesperado sol

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Sem saber exatamente o que dizer além da resposta ao bom dia da senhora e já de imediato pensando que ela seria uma empregada, se bem que se ia muito avançada nos anos para dar conta de serviços domésticos, e nem tinha estado entre as outras que cuidaram da casa no dia anterior e com as quais cruzara quando chegara, ele postou-se de pé diante da mesa demonstrando tranquilidade, apesar de em seus espaços correrem cavalos assustados, aves batendo asas em voos imprevistos. Olhou para um lado e para o outro, procurava café, mais procurava um tempinho pra organizar os pensamentos, lembrou que não fugiria mais, que era o gerente, via que o fogão no canto da espaçosa cozinha estava frio, com umas panelas cobertas com um pano, a comida deixada pelas mulheres na véspera, que ele não tocou. De lógico era só ter pensado antes, que se não havia cheiro nenhum na cozinha que indicasse uma presença, cheiro de café, cheiro de pão, de frituras, nada ainda havia sido feito e aquela senhora não estava ali para servi-lo. Gostava de acordar antes do sol nascer, gostava de presenciar o dia se abrindo de manhã. Uma tênue luz entrava pelos vidros da janela. Não sabia onde estava, em que parede, o interruptor. Onde se acende as lâmpadas, perguntou, e a senhora levantou-se sem pressa, foi até a parede esquerda ao lado da porta por onde ele havia chegado e acendeu a lâmpada. Mas não haveria mais necessidade da lâmpada, havia luz suficiente no ambiente, luz macia, descansada, leve. O estalo do botão foi maior do que devia ser, como se o desuso tivesse aumentado a pressão do interruptor. Sentando-se novamente no mesmo local a velha senhora articulou-se em modos mais doces sem conseguir e dirigiu-lhe a palavra. Mas o que dizia soava-lhe estranho, como voz de cartomante, benzedeira, ou algo assim. Sente-se por favor. As palavras que vieram depois ele não ouviu. Por favor, repita o que a senhora disse. Não é mais necessario, ela respondeu, tenho isto e é ao senhor que devo entregar, cumpro minhas obrigações. Estendeu a mão e deu-lhe o papel envolto no lencinho xadrez.

5 comentários:

Valdemiro disse...

Feliz ano novo também Dauri.
Gosto muito de passar por aqui e ler as sutilezas de sua escrita.

Forte abraço.
Feliz 2011.

Ilaine disse...

Dauri! Saudades!

Sua escrita é como "uma luz macia" que encanta o leitor.
Feliz Ano Novo!
Beijo

Ilaine disse...

Volto... Pois que coincidência! Comentávamos no mesmo momento...

Ilaine disse...

Que especial o que escreveu, Dauri! Sim, era hora de voltar para a Europa - pois meus filhos nesta época não tem férias.

Abraço

Anônimo disse...

outro texto envolvente e de muita riqueza. meu abraço e obrigado por tudo, Dauri.