27 dezembro 2010

Inesperado sol
Para Eurico, Mai, Paula

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Tudo numa janela, a vida toda na janela, a vida num instante, passado e futuro longe, longe. O desejo estranho dando voltas sobre os pensamentos fazendo-os tortos, inclinados, pendentes. Talvez fosse bom que a polícia aparecesse logo e o levasse preso, levasse-o embora, mas estava longe e com certeza demoraria alguns dias até ser descoberto. A janela delimitava um limite, uma escolha, o amor e a dor e o luto e a culpa por um lado exigindo um ato  heroico, e a liberdade por outro, mesmo que uma liberdade de pequeno alcance, de voo curto, garantindo não sabia o quê, uma esperança talvez de um outro sol ao amanhecer que o tirasse do pesadelo. Pensou em ficar ali naquele velho cenário, uma velha siderúrgica, um porto esperando restauração. Decidia não fugir mais, mas também não se entregaria, ficaria ali enquanto desse, enquanto pudesse ser dois, este que ele carregava fugindo e aquele que os pobres dali recebiam como o restaurador das coisas, da vida, da siderúrgica, do cais. Quem sabe demoraria a polícia em chegar, e os recantos de ferrugem, os galpões pudessem lhe oferecer alguma sensação de gozar de um irmão ao lado.

6 comentários:

lula eurico disse...

Grato, Poeta, pela dedicatória.
Principalmente, neste momento, em que estás tão ocupado com os estudos.
Tenho lido com interesse redobrado o que escreves... busco as soluções poéticas dessa literatura que resiste, que persevera, que é desejo renitente...

Abraço fraterno.

Márcio Ahimsa disse...

A cena da janela é algo que me fascina, janela e horizonte, janela e a vida passado, janela e o tempo, janela e lá fora no quintal o gorgeio eufórico dos pardais. A janela é um olho para o inesperado, que ainda é escondido, que ainda é notado, a janela é um corpo ilimitado de histórias e lembranças.

Belo conto.

Boa semana e bom fim de ano.

Abraços, amigo.

Paula Barros disse...

Dauri, sorri. Obrigada, um gesto que me fez feliz. Aparentemente simples, mas é um agrado, um afago, um abraço.

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"O desejo estranho dando voltas sobre os pensamentos fazendo-os tortos, inclinados, pendentes em fios de azeite". Não sei como se chama este tipo de criação literária, mas achei fantástica esta analogia. Leva a imaginação, a visualização.

Esse ser dois do personagem, me fez lembrar que às vezes a gente se sente assim, dois, três...sei lá, com varias facetas. Como se na vida fossemos muitos personagens, de muitos capítulos.

Mas vou acompanhando.

abraço e bom final de ano.

Anônimo disse...

sempre a síntese textual a nos conduzir em tua escrita e instigando ainda mais o imaginário. grande abraço e felicidade.

José María Souza Costa disse...

Podemos até ficar à janela. Não podemos é deixar a vida passar na janela
Passei aqui lendo. Vim lhe desejar um Tempo Agradável, Harmonioso e com Sabedoria. Nenhuma pessoa indicou-me ou chamou-me aqui. Gostei do que vi e li. Por isso, estou lhe convidando a visitar o meu blog. Muito Simplório por sinal. Mas, dinâmico e autêntico. E se possivel, seguirmos juntos por eles. Estarei lá, muito grato esperando por você. Se tiveres tuiter, e desejar, é só deixar que agente segue.
Um abraço e fique com DEUS.

http://josemariacostaescreveu.blogspot.com

Sueli Maia (Mai) disse...

Querido Dauri,

Aqui estou. Feliz por estar aqui, feliz pela dedicatória. Felizmente, também por aqui há muito a ler.

Bom que você voltou e esccreve, num fluxo contínuo, "o inesperado sol".

Tudo - pela janela.


Aqui em Friburgo, tudo vai se reconstruindo, lentamente.
A organização médicos sem fronteiras ofereceu-nos treinamento para a escuta em emergências e catástrofes. Já sinto sinais de fadiga, mas há tanto que fazer...nde abraço, Dauri.
Tenho estado fora da net, amigo.



Gra