09 julho 2010

Inesperado sol

13

Não havia motivo para rir, mas ria, inclinou-se sobre o volante e endureceu-se nas feições para impedir o riso e o que o riso encobria. Carregava algo na pele, por dentro dela, nos limites entre o que faz rir e faz chorar. Era como roupa suja, aquela que ele atirava longe ao chegar em casa, apressado, desejoso de uma ducha. Mas a roupa se lhe tinha grudado na alma. Talvez um dia visse alvejada a amarela história que carregava consigo agora. Os meninos o rodearam, chamavam-no de senhor gerente o tempo todo, seus ouvidos não se contrariavam mais, ou não tanto, com aquela forma de tratamento. Dobrou-se sobre o motor e um tempo depois, como os meninos, ele vibrava de alegria ao vê-lo roncar. Sentiu sede e os meninos falaram do bar na pequena vila operária ali perto. Pularam sobre a carroceria antes que ele assumisse o volante, não havia como mandá-los descer, e nem sentia vontade de fazer isto, distraia-se com eles, e rumaram todos para o bar.

6 comentários:

Paula Barros disse...

A forma que você escreve dá para sentir...ou pelo menos sinto...a angústia, a inquietude e a mudança do distrair-se com os meninos, a leveza deste momento.

Esses dois momentos nítidos no texto.

abraço

eder ribeiro disse...

Mas a roupa se lhe tinha grudado na alma. Talvez um dia visse alvejada a amarela história que carregava consigo agora. Tocante esta parte, vi em imagens. Abçs.

lula eurico disse...

Ajunto ao que diz a Paulinha, esse tratamento esquivo e psicológico, sem diálogos, em que, (suponho eu) as descrições de minudências, de pequeninos fatos, realçados sob a reflexão do narrador, vestem o personagem, ou seria melhor dizer "despem" o personagem. rsrsrs
Bem, o texto é denso, mas há um ar de jornada, on the roads, talvez até, de "série", como nos poemas, que nos levam pelas estradas desconhecidas de algum lugar interior. Bem interior...

Paula Zilá disse...

Ainda bem que o sol se tornou inesperado - nem tão imperioso, nem tão certo.
Gostei um bom bocado do que encontrei aqui nessas palavras, tampouco passarei batida por tanta coisa que conduz nas entrtelinhas.

Um grande abraço, caro Dauri!

Carla disse...

surpresa bonita encontrar este blog e este texto. o inesperado que produz um caminho outro, caminho de menino, errante.

Sueli Maia (Mai) disse...

Em muitos instantes, a companhia de crianças nos salva.

beijo