O último porto do rio
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O que tens a dizer, ó florista, do amor? Podes dizer-me da vida, a vida, um balanço de árvore que se avista de uma janela de um segundo pavimento em tarde madorrenta. Escrevo-te ao amanhecer, mas parece-me tarde. As cortinas em leves movimentos de um resto de vento que traz o cheiro das folhas verdes fazem pelo tecido fino o laço entre um acontecimento e outro, a ruptura, o limite. Escrevo-te do Rio de Janeiro, pois minha passagem apressada de despedida pela tua oficina não me permitiu as palavras que eu te prometi sobre a ida até o Último Porto do Rio. Ainda tenho dificuldades de dizer o que escrevo, pois nem sei se importa dizer, se haverá em meus mares, ou nos seus, nas aves, andorinhas e gaivotas que me cercam, nos barcos que me atravessam, um novo movimento de rumo. Mas, sigamos. Por mais que a vida seja assim, assim vamos, vivendo-a, o adeus se dando na maior parte do tempo oculto na ilusão e no estranho prazer de viver, anseio de continuar a existir, apesar.
O que tens a dizer, ó florista, do amor? Podes dizer-me da vida, a vida, um balanço de árvore que se avista de uma janela de um segundo pavimento em tarde madorrenta. Escrevo-te ao amanhecer, mas parece-me tarde. As cortinas em leves movimentos de um resto de vento que traz o cheiro das folhas verdes fazem pelo tecido fino o laço entre um acontecimento e outro, a ruptura, o limite. Escrevo-te do Rio de Janeiro, pois minha passagem apressada de despedida pela tua oficina não me permitiu as palavras que eu te prometi sobre a ida até o Último Porto do Rio. Ainda tenho dificuldades de dizer o que escrevo, pois nem sei se importa dizer, se haverá em meus mares, ou nos seus, nas aves, andorinhas e gaivotas que me cercam, nos barcos que me atravessam, um novo movimento de rumo. Mas, sigamos. Por mais que a vida seja assim, assim vamos, vivendo-a, o adeus se dando na maior parte do tempo oculto na ilusão e no estranho prazer de viver, anseio de continuar a existir, apesar.
Lembro-me agora, enquanto me deixo ser o que são estas palavras que escrevo, tua singela e discreta presença no cais. Do vapor te avistei e o teu gesto, de mãos vazias de qualquer flor, acenava o mistério de um sonho, isto que une e separa os dias uns dos outros, o que separa o sol da montanha no momento que os dois se tocam, o que leva pelas palavras o poeta para longe dos mundos que ele alcançou. Doi-me agora mais o adeus, vejo a cidade pequena encostada no morro, um presépio que não se desmontou, em fevereiro, tudo se indo para o universo infinito, a claridade da manhã impedindo o disfarce das nuvens nos olhos, ciao, vidiamoci presto, queria dizer às pequenas coisas vividas ali naquela pequena capital de província, o penedo vistoso, ainda mais calado em sua posição de guardião da ilha, tu voltando para a oficina, para outras flores. Os imigrantes logo chegarão, viverão outros olhares sobre a mesma ilha, como primeiro passo de uma vida completamente nova, motivadora de todos os esforços, fonte de força para suportar os sacrifícios a que ela, a vida nova, se submete e sobre os quais se levanta. Fico a imaginar, disse para o marido, o que sentirão os imigrantes ao entrarem na baia em direção ao porto. Ele não responde, silencioso também, distante, somente abraça-me. Penso-me como um deles, um imigrante, tudo para trás, tudo pela frente. Mas não sou, invejo-os.
Começo a dizer-te. Levantei-me com o sol, mas grossas nuvens de chuva se avizinham cinzas da janela que abri. Começo a dizer-te, já com os olhos distantes de tuas habilidosas mãos, o que foi minha viagem pelo Santa Maria. Quisera agora ver as tuas mãos juntando amarelos em pétalas grandes de girassóis a modificar para melhor o que digo. Forço a memória para ver um girassol bem amarelo, luminoso, em tuas mãos, não me recordo. Fizeste girassóis? eu nunca presenciei a feitura de um. Surgem-me as hortências, aceito-as. O arranjo das palavras agora se vai pelo azul plácido e pela manhã que já se recolhe em respingos de chuva . Assim como as pelejas de tuas mãos a vida segue por aqui. Logo perderemos o contato, as cartas cessarão, talvez mesmo esta primeira seja a última. Agora relato a viagem pelo Santa Maria, desejo relatar. Ensaio o que vou dizer, usino-me por dentro em procuras de sentidos, faço alguns, incipientes.
Cuida de ti, ó florista, sinto vontade de dizer-te, cuida de ti nas flores que confeccionas, mas não digo, também não mudo de folha de papel, não rasuro o que se tornou letra. Mas, sigamos. Conto-te um capítulo, apenas um, e único. Do mais importa as habilidades que tens de transformar o vazio dos arames, tecidos e papéis em um sentido, bom quem sabe, frágil sempre, de seguir, todavia. As calêndulas, lembras as calêndulas?, pois bem, o capítulo que te relato é somente o capítulo das calêndulas.
Cuida de ti, ó florista, sinto vontade de dizer-te, cuida de ti nas flores que confeccionas, mas não digo, também não mudo de folha de papel, não rasuro o que se tornou letra. Mas, sigamos. Conto-te um capítulo, apenas um, e único. Do mais importa as habilidades que tens de transformar o vazio dos arames, tecidos e papéis em um sentido, bom quem sabe, frágil sempre, de seguir, todavia. As calêndulas, lembras as calêndulas?, pois bem, o capítulo que te relato é somente o capítulo das calêndulas.
6 comentários:
Este capítulo evoca em mim, palavras de outro poeta, o recifense Carlos Pena Filho, em seu poema A Palavra:
(...)"Aí, reúno a argúcia dos meus dedos
E a precisão astuta dos meus olhos
E fabrico estas rosas de alumínio
Que, por serem metal, negam-se flores
Mas, por não serem rosas, são mais belas
Por conta do artifício que as inventa."(...)
Posto que o escritor, tal qual a florista, inventa, com os artifícios da língua, as imagens do texto... as emoções do texto, as idéias do texto.
É dos vazios entre os arames da língua que ele, o florista,´"busca dar sentido", em prosa ou poesia, tanto faz, ao não-dito.
Leio-te, nessa hora matinal, do domingo, chamado de Ramos, reinventando, (posto que o leitor reinventa), os sentidos poéticos, aos quais, com "as habilidades que tens de transformar o vazio dos arames", nos conduzes nessa belíssima novela.
Isso só nos faz bem! A arte nos indica, aos sentidos, um sentido para a existência...
Abraço fraterno e cheio de sincera admiração...
Dauri, todo dia leio, no outro dia releio...em algum momento lembro de trechos...hoje por algum motivo meus olhos marejaram...
Me emociona ler que sempre temos palavras a dizer, e não dizemos...me emociona pensar que muitas vezes podemos confeccionar momentos de vida...
beijo
OLá Dauri...leio seu texto em pedaços e os transporto para o meu cotidiano...
"Escrevo-te ao amanhecer, mas parece-me tarde. As cortinas em leves movimentos de um resto de vento que traz o cheiro das folhas verdes fazem pelo tecido fino o laço entre um acontecimento e outro, a ruptura, o limite"
este pedaço parece uma despedida chegando...uma nova velha vida voltando...aff...
"O arranjo das palavras agora se vai pelo azul plácido e pela manhã que já se recolhe em respingos de chuva . Assim como as pelejas de tuas mãos a vida segue por aqui. Logo perderemos o contato, as cartas cessarão, talvez mesmo esta primeira seja a última"
Pronto, aqui se concretiza o que senti...
Um abraço na alma...
Inventei uma blogagem coletiva, uma brincadeira, mas sei que no Porto do Rio as palavras continuam atracando...
Se quiser participar...será um prazer, mas fique a vontade...
Um abraço na alma...
Dauri,
Voltei a rotina. Agora a viagem é pelas palavras que emocionam, palavras que tem cheiro, cores e formas.
Estou no aguardo dos próximos capítulos, para continuar viajando.
um abraço!
Olá Dauri...que tua viagem continue, gostei da sua vida adubada com humor, pois é exatamente assim que penso...
Um abraço na alma...
A Páscoa é a ressurreição das nossas almas. É abandonar tudo o que é velho e antigo e olhar pra frente com coragem; é nos dedicarmos à vida como quem sorve o sumo de um fruto saboroso. Domingo é dia de renascer.
Feliz Páscoa pra você e toda a sua família!
"Quisera agora ver as tuas mãos juntando amarelos em pétalas grandes de girassóis a modificar para melhor o que digo. Forço a memória para ver um girassol bem amarelo, luminoso, em tuas mãos, não me recordo. Fizeste girassóis?"
Dauri, tudo o que falei dos outros capítulos, de certa forma, se repete também aqui. O teu texto é muito bom, costurado com a beleza dos pequenos detalhes que cuidas de forma imensa. Ah, e o sentimento... As palavras sugerem tantas imagens, e eu vou seguindo este mundo.
Beijo
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