10 fevereiro 2010

O último porto do rio
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Um cansaço é o que havia ali, um cansaço dele e um meu, ou um mesmo cansaço em duas pessoas. Se bem que o cansaço ficava ali como um aparador encostado à parede entre as janelas naquela sala. O espaço entre os móveis e entre nós era ocupado por curiosidades e interesses indistinguíveis, coisa a se pensar melhor para entender talvez. Vou agora pelas ruas em direção ao cais. Desejei ficar uns minutos a mais ali, isso confesso, um tempo de uma conversa sobre o que se passa por debaixo da vida ou acima dela, algo que fosse capaz de dar um leve mesmo que estremecido entendimento dos fatos, um juiz bem que seria capacitado para isso. A escuridão se levanta nos vãos entre as casas, nos dentros de algumas janelas não iluminadas pelo lampião da rua nem por uma vela de reza ali nos recantos, na torre imponente da igreja um perfil de fantasma sobre o morro. Ele queria falar-me e eu desejei que me perguntasse sobre a vida, sobre o que era viver aqui perdido nas melancolias da cidade apertada entre montanhas, no fim navegável do rio, perto do sumidouro. Ele fica ali na direção de quem vai para as futuras colônias dos imigrantes, o sumidouro assustador. Angustia-me tal recurso da natureza em conduzir suas águas por debaixo das pedras, o rio mergulha misterioso e só surge bem distante adiante, um mergulho em sono sobressaltado para acordar bem no meio da noite, longe do consolo da manhã, com o coração na garganta e o suor banhando o corpo todo, ah, o sumidouro, a noite, a incerteza, a imprevisibilidade de amanhecer de novo.
Vou para o cais procurando o negro José Bento Caetano, mas enquanto desço para o porto penso que ali, nessa hora, já não o encontrarei. O juiz exploraria da minha vida que conteúdos senão e nada além de pequenos segredos como os que se vão naquelas cartas, minha situação com Maria Júlia, o emprego na companhia fluvial de nevegação, e, sim, o passado. Meu passado. O passado não anuncio mas também não resguardo em selos de sigilo, isto sim reservo para o meu pé direito, o pé preto, escondo-o quanto posso, do mais perguntasse ele o que quisesse. Sento-me por um minuto sem saber o que fazer, vejo uma pequena canoa que poderia me ser útil e penso em descer o rio sozinho, mas desisto, o negro José Bento me será bom companheiro não só navegando rio abaixo na escuridão como na busca de Maria Júlia. Então ao acomodar meus olhos ao ambiente vejo vultos de quem pesca com varas de sobre as pedras, quase invisíveis na noite fechada, o pai e o filho, gente conhecida, pergunto se viram o José Bento, dizem que sim, peço ao menino para ir correndo chamá-lo, Diga que espero por ele aqui no cais com urgência, o moleque sai feliz correndo, era feliz pescando, era feliz no cumprimento do mandado, também fui assim, invejo a felicidade da prontidão do menino, ser feliz nestes casos é uma inexplicação. O senhor João Francisco não deveria descer o rio agora não, vai cair mais chuva, e das grossas diz o pescador, É urgente, o Bento conhece bem o rio, digo, Se eu fosse o senhor deixaria para ir amanhã, o rio está perigoso, alerta o pescador, Ainda mais à noite, continua. Sua voz se torna um canto insosso que se ouve sem ouvir, volto ao ocorrido com o juiz, seu interrogatóro abandonado pelas metades, ele tinha uma intenção que não levou a termo. Caíra em suas mãos algumas das cartas? para ele estaria levando as cartas o tal canoeiro com atitudes suspeitas? Entenderia com certeza o digníssimo juiz que o que digo são inconsistências em palavras de horas enfastiadas. Bem poderia ter ele conhecimento do ocorrido com meu pai, a acusação que lhe fizeram, a morte, a sociedade secreta. Logo percebo que os fatos dos últimos dias vão me desgastando os pensamentos. Passado um tempo chega o menino contente com a missão cumprida e um pouco depois o negro José Bento.

5 comentários:

lula eurico disse...

Não vim comentar, amigo.
Vim agradecer a tua atenção com o Eu-lírico.
Há momentos em que essas coisas são valiosas demais...
Grato.

ex-controlador de tráfego aéreo disse...

Oi Dauri,

aguardo os acontecimentos na próxima postagem.

Um abraço fraterno!!!

Paula Barros disse...

Dauri, abro o computador e venho aqui, dizendo a mim que não vou ler, que não tenho tempo rsrs Existe isso?

Mas sabe porque não vou ler todo, porque já me enganchei com os pensamentos de João Francisco...rsrs

"Se bem que o cansaço ficava ali como um aparador encostado à parede entre as janelas naquela sala"

Valha-me, cada ideia você tem.


E às vezes eu me sinto feito João Francisco, só que com relação a você:
"um tempo de uma conversa sobre o que se passa por debaixo da vida ou acima dela, algo que fosse capaz de dar um leve mesmo que estremecido entendimento dos fatos"

Então, é melhor eu me recompor, vestir a minha alma...e paro nessa parte. rsrs

Volto, volto...

bom dia! beijo

Ilaine disse...

Este relato é tudo poesia. Deslizo por sobre as figuras e me perco com os sentires de João... que me arrastam pela narrativa toda. Ah, essapalavra tão bem colocada... Estou aqui lendo um romance. Abraço!

RENATA CORDEIRO disse...

Olá, Dauri! Homem de Essa Palavra.

*O DIA DE HOJE
Ofereço aos amigos inesquecíveis, todos*******

O dia de hoje é o mais importante na vida

O dia de hoje deve merecer total prioridade.

Só hoje se pode ser feliz

O amanhã sabe-se lá se chegará,

e o ontem já foi muito tarde para ter sido feliz.

A maior parte das nossas dores é fruto

dos restos do ontem

ou dos medos do suposto amanhã.

Viva o dia de hoje!

Viva feliz!*


Beijos da Renata***************
Não consigo comentar o branco e as letras meio apagadas. Confunde tudo.