02 janeiro 2010

O último porto do rio

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As barcaças que vem atrás logo nos alcançarão. O fato da matança do animal rastejante, atraso na descida, lado bom do mal-estar, restabelecerá o equilíbrio das distâncias que a senhora, ao não permitir a parada usual no cais dos pretos, fez crescer. Uma ilusão, uma esperança me faz acreditar que Maria Júlia entendeu minha situação, não desistiu do seu intento e nem da minha companhia, tomou a iniciativa de descer para o Porto do Mar numa daquelas barcaças, de favor, por conhecer bem os canoeiros. Pagar passagem na barcaça de passageiros é que ela não poderia e nelas nem adiantará gastar os olhos de procura. De fato o vozeirio dos canoeiros logo se faz ouvir. Cantam suas toadas, gritam, xingam, tocam suas buzinas de chifre de boi, predomina a cantoria, ouço, Limoeiro baixa a rama, quero tirar um limão, quero tirar uma nódoa, que tenho no coração. Fico a olhar para trás esperando avistar quem vem, a senhora patroa percebe minha inquietude, O senhor se sente melhor?, pergunta querendo saber outras coisas. Sim, respondo, não muito, mas melhor. Logo as barcaças despontam. A esperança que tenho de ver Maria Júlia abre-me ainda mais os olhos e percebo uma beleza sempre vista, nunca percebida, aquelas embarcações, carregadas, descendo o rio, o barulho das águas cortadas, a conversa, gritos e risadas dos canoeiros. A esperança me faz feliz por um instante. Quando os olhos ansiosos se dobram cuidadosos sobre cada embarcação, Maria Júlia, vejo, não está em nenhuma delas. Insisto num último olhar, agora mais divagante que cuidadoso, para a barcaça dos passageiros, fim da expectativa, nada. Ponho-me em silêncio, destes que processam frustrações em mais silêncio. Tanto quanto consigo em meio à festa das barcaças que descem em caravana, penso, procuro uma atitude, não a encontro, não encontro caminho, o rio dos acontecimentos me leva. Pela hora da manhã ainda nova sei que demorará o encontro com os canoeiros que com suas barcaças vem subindo para o Porto do Rio.

3 comentários:

Anônimo disse...

"A esperança me faz feliz por um instante". Esta frase soa como alívio. Ou deveria. Acredito que somos movidos por esperanças de...

Encantada pelo conto. Afirmo!

Um ano iluminado para você!

Paula Barros disse...

Acompanhando atenta.

Agora fico com esse trecho:"Ponho-me em silêncio, destes que processam frustrações em mais silêncio."

Escrevi algumas coisas, umas 13, sobre o silêncio. E entendo bem João Francisco e esse rio sinuoso que é o pensar.

beijo, bom dia!

Elton Pinheiro disse...

também tenho acompanhado, belo trabalho. quando for editar (vc e seu amigo jorge elias), por favor enviem um e-mail.

aguardo por novos poemas (na verdade estou procurando por poetas, vc é de vitória?)

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