19 dezembro 2009

O último porto do rio

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O cais da curva dos pretos entre se aproxima e se distancia. Se ajudam ao rio os barqueiros empurrando a barcaça para baixo, não precisariam. O rio se encaminha misterioso para o desenlace dos fatos para além do que as sempre tênues vontades determinam. Quanto mais perto do porto da curva mais distante eu do mundo ao redor, naufragado em fluxos contrários, correntes onde nadar agora é perder forças, e melhor é deixar se levar até quando se oferecer por sorte um galho, se se oferecer, ou um barranco mais firme, uma margem favorável. O dia seria lindo de azul, e assim parece ser nos comentários da senhora patroa do dono da companhia, mas em mim o céu de azul e as margens de verde não tem mais tais cores, senão uma acinzentada nuvem e uma leve e anestesiante tristeza a encobrir-me. E respondo e sorrio arriscando-me em ser cordial aos comentários da requintada senhora, requinte levemente diminuído pelo ainda perceptível modo alemão de falar o português. Ao nos aproximar do porto dos pretos, subo em recurvos da memória até à venda no casarão dos suíços, ponto de encontro dos tropeiros. Ali conheci Maria Júlia, quase uma menina, assustada, perdida dela mesma, trazida pelos tropeiros para servir na cozinha, dstante de todos na postura e no olhar, livre já, não obstante ainda escrava no destino de viver dias alongados na aflição. Para ela eu olhava, indo, na ilusão, por uma estrada só de ida. Mas me assustei quando percebi que era ela que vinha, com modos de enxergar muito mais acurados que os meus.

3 comentários:

Paula Barros disse...

Dauri, sobre seus dois últimos comentários.
Tenho angústias, tristezas e inquietações da alma (até demais), e até escrevo assim, só não tenho colocado no blog. Talvez eu seja muito mais esse lado inquieto, e por isso sempre esse lado dos seus personagens mexem comigo - empatia, identificação.

Já li e reli seu texto...volto!

beijo, bom domingo.

Paula Barros disse...

O seu rio, me lembrou a vida, eles seguem. E precisa de muita sabedoria para saber navegar, observar a paisagem, e até saber a hora de não remar contra a maré...

Em particular conversou comigo esse trecho:
"Quanto mais perto do porto da curva mais distante eu do mundo ao redor..."

E acho bela, essa e outras frases que você coloca no texto, nesse estilo: "subo em recurvos da memória". Eu quase pude ver o pensamento navegando a memória.


abraço

Maria Helena disse...

Se eu fosse citar as partes mais belas do texto teria que reescrevê-lo na ´íntegra.Por isso vou citar apenas uma frase que ficou ressoando dentro de mim:"Maria Júlia,quase uma menina,assustada,perdida dela mesma,"...
Sempre lindo.
Abraço de Maria Helena