28 novembro 2009

O último porto do rio

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Na medida em que os passos me fazem próximos de casa, quando na noite escura os cheiros são visíveis, o que se aproxima na verdade são recordações. Recordações insignificantes, nenhum acontecimento merecedor de vanglória. Uma esperança vã aqui, uma ilusão bonita acolá, uma casa abafada e um cheiro de mofo depois da porta. Pegar uma barcaça e descer o rio, quem sabe arranjar um novo emprego no porto do mar. Virá, logo mais, no meio da manhã, o insano, gritando e pedindo a nova carta. Escreverei que abro os braços como asas e rodo no pequeno espaço de liberdade que o círculo consagra. Tão hábil no uso das coisas da casa no escuro, agora tropeço na busca do velho lampião, meu Deus! Encontro-o, acendo-o, nem sei mais o que pretendia fazer com a luz, jogo-me na cama e desisto de levantar para apagar a chama. Dormir, no entanto não durmo logo, o cansaço é que me vence.

7 comentários:

Márcio Ahimsa disse...

...é o cansaço do tempo vencendo a força brusca do viver...


Abraços, amigo.

Paula Barros disse...

Dauri, gosto de ler você. Me emociona e gosto de apreciar a criação literária.

Do todo belo, e com muitos sentimentos contidos, me chamou a atenção essa frase.

"Escreverei que abro os braços como asas e rodo no pequeno espaço de liberdade que o círculo consagra."

O poder de transformar o pouco em muito, o ser humano é fantástico, nesse poder de se dá liberdade.

beijo

Desmanche de Celebridades disse...

Olá,
Somos o Desmanche de Celebridades.
Um blog que apesar de ter nome de site de fofocas,hahahaha,apresenta uma proposta bastante diferente disso. Na verdade a palavra desmanche vem representar a tentativa de desconstrução daquilo que julgamos digno de crítica.
Chegamos até aqui no intuito de divulgarmos o nosso trabalho, pois acreditamos que discutir temas relevantes para nossa sociedade é fundamental.
Temos pesquisado e selecionado blogs muito bons, com pessoas dispostas a discutir e debater problemáticas variadas com a gente.
Prometo voltar em breve para ler e opinar a respeito dos seus textos, como sempre faço nos blogs que sigo.

Abraços.

Oliver Pickwick disse...

Não tenho certeza se é uma estréia neste gênero, a prosa, mas, fez com mestria. A originalidade do tema e a linguagem são primorosas. Além do mais, a presença de tropeiros e barcaças - ainda que na cultura do café - me fez lembrar as fazendas de cacau do Sul da Bahia.
Parabéns por esta novidade.
Um abraço!

Germano Viana Xavier disse...

faca cortando
por outro gume agora
a lãmina torta dos intergêneros
a prosa puída com poesia
muída
sentida

o espetáculo no céu...

Grande, Dauri Jack, boa surpresa aqui! Continuemos...

Sueli Maia (Mai) disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Sueli Maia (Mai) disse...

Eu quase me deito num barco qualquer e me deixo à deriva voltar ou seguir - à foz - pro mar e me entonteço. Coisa de louquice de solidão do azul ao nigro ou do azul profundo da noite onde o silêncio faz com que os sons do inconsciente preencham as horas.
A tua escrita me arrebata. O fluxo das palavras me lança mar adentro.


Tá gostoso de ler, escorrega num só gole e eu me embriago, sem ressaca ou adição e alucino as imagens desse homem no ultimo porto do rio.

um beijo.