07 setembro 2009

IV

Enquanto de volta sigo o rio
extraio palavras ainda quentes
do bafo de suas cavernas
por debaixo das águas.

Elas se negam, se negam,
outras línguas desejariam,
outras frases, outros ditos.
Mas nos uniu um destino torpe
de dizer o desnecessário
pela teima de sonhos e mãos

em hieróglifos que, se na manhã
eu os leio e compreendo, no sol
quando se põe, só lhes aparecem
os defeitos, a rouquidão,
o descompasso, a solidão, os ventos frios.

Ah, mas me basta saber que
a luta poderá arrebentar modulações
de antigas curvas que o rio já alterou
há muito tempo, e surgirá,
defeituoso, como sabeis, mas novo,
este hieróglifo desvaloroso.

O valor da luta é encontrar
o novo fio do jogo na viagem
e o molde da brincadeira.

Ágon é o nome que se desenha
no flanco esquerdo do barco
com que retorno ao Cairo.
No direito, necessitando reparos,
escreveu-se um dia Eleutéria
com pigmento vermelho de alizarina.

9 comentários:

Dauri Batisti disse...

Ágon, do grego, luta.
Eleutéria, do grego, deusa da liberdade.

Maria Helena disse...

No início fiquei à deriva entre bafos,cavernas,sons,cadências e cur-
vas mas entrei na brincadeira e acabei me pintando com alizarina.
Perfeito!
Bjs
Maria Helena

Germano Viana Xavier disse...

No vau,
onde adormece o
peixe albino,
é que mora a
salamandra-palavra.

Meu abraço, Dauri Jack.
Continuemos...

Sueli Maia (Mai) disse...

Lá, onde mais fundo há breu, há cegueira de não ver e medo de 'pernoitá' e 'sonhá' e ter pesadelo e vê fantasma e alma... Mas bem 'cedin' de manhãzinha, quando o sol chega com luz, dá de 'vê tudin', sem medo de 'vê'... Só vendo cada coisa linda de se 'vê' e se 'mostrá' sem medo.

Mas quando o sol se deita com a luz e o céu se cobre com a noite, dá um 'medão' que só vendo...
E nem sei do que ter medo porque nem é defeito, é sombra de mão, de cabeça e sombra dá medo...
.
É, Dauri, Memória coletiva e o medo perpassando gerações...
Mas a noite amplia tudo e no medo ampliado da noite, uma mão vira um bicho com cinco cabeças, disforme e amedrontador...

Gosto desse isso que vem do fundo do mar ou que vem de lá, bem dentro das grutas e cavernas...
Luz e sombra...
Beijo! Boa semana.

Dauri Batisti disse...

Querida Mai,

Acho engradaçado este jeito de falar mineiro nos seus comentários. Lembro-te que sou capixaba. Aqui o povo do interior tem sotaques "italianados". Mas, pergunto, você é mineira?

Obrigado sempre pelos carinhosos comentários. Nesses "issos" faço viagens egípcias. O Nilo também como metáfora das idas e vindas ao coração.

Beijo.

Sueli Maia (Mai) disse...

Oi, Dauri,

Sou pernambucana e nasci numa cidadezinha do interior. Hoje moro numa cidadedo interior doRio e sempre viajoà Minas.
Sou apaixonada pela obra do 'Rosa' e o regionalismo está parte em mim parte no que ouço e leio...
Mas os rios estão cortando em todos os lugares cortando terras e conduzindo,conduzindo...

Vc.me inspira acho q é isto.
Então o qsinto escrevo... Hj.foram os rios mineiros.

Seique estás no Espírito Santomas não sabia q o sotaque interiorano tinha raízes italianas. Interessante.

Abraço amigo.

Ivany disse...

Dauri adorei suas postagens ,me fez refletir muito..
Saudades de vc (:
abraços !!

Paula Barros disse...

É, Dauri, gosto de viajar nas suas metáforas. Gosto quando o rio das suas palavras me levam. E me permitem profundos voos, mergulhos altos. Gosto quando os rios de lágrimas me inundam. (não foi hoje rsrs)

Diretamente de BH. E até podia dizer ô trem bom é ler seu blog. Ou gosto muito de ler ocê.

beijo

Anônimo disse...

Hoje espiei com mais calma. Que belas palavras, que divertido passeio.