28 janeiro 2009

(sétimo e último "isso" da série umas coisas jogarão luz nas outras.
Há um desejo de continuar. Há outro me mandando parar.
Paro. Vou por outro caminho, vou escrever outras coisas. rs).

Enxaguei os meus olhos no riacho
que acompanhava uma estrada de terra.
Os olhos do meu pai formavam cachos de uva.
Ele cuidava do parreiral com amor. Os olhos
são uvas. Há um doce ou um ácido no olhar.
Enxaguei os meus olhos num riacho. A ferrugem
da estrada é a luz do sol no fim do dia. Sal, saudade
que dói. Uma estrada é um espírito. A de terra
é uma coisa. A de ferro também. Uma coisa, outra coisa,
tantas a lembrar. Os bagos de uvas eram doces.
Doces de olhos, olhos de pai. Olhos que me levavam
num velho carro levantando poeira pela estrada de chão
que seguia o riacho serpenteando as montanhas.
Meu pai cuidava das uvas e me mostrava até mesmo
aquelas que ele próprio não via. Uma estrada é um espírito,
a de ferro é uma coisa, a de terra também. Chão
é o que tenho, caminho que faço,
coisa e espírito dentro de uvas
me esperam numa próxima estação.

10 comentários:

Sandra Leite disse...

lindo Dauri! me lembrou uma frase do Caio Fernando Abreu que diz mais ou menos o seguinte "quando não há amor, restam as estradas". estradas me fascinam....

beijo

FERNANDINHA & POEMAS disse...

QUERIDO DAURI, MARAVILHOSO... QUANTA SENSIBILIDADE AMIGO... FIQUEI FASCÍNADA... UM ABRAÇO DE CARINHO,
FERNANDINHA

Sueli Maia (Mai) disse...

...li e reli ouvindo o som das águas...e era meio assim ShShhh...
Num instante era um riancho noutro era um veio d'água em momentos mais volume d'água...Prá finalmente ouvir a água de uma fonte e ...ShShhhhhhhs..

a sonoridade dessa palavra e desses 'issos' deram luz às águas e aos riachos...
beijos.

ARTISTA MALDITO disse...

Olá Dauri

E no caminho o transporte do olhar se faz saudade. Belo momento de amor nos olhos de um Pai, desbravando o chão que um dia o filho pisará.

Um beijinho com carinho,
Isabel

Colibri disse...

Caro Dauri,

Excelente reflexão materializada em poema de rara beleza...

Eu diria que o espírito é mais do que o caminho... O espírito é o que percorre o caminho de estação em estação. Que as estações sejam sempre prazeirosas e generosas em enriquecimento do espírito.

Ah, pai... Pai...

Um abraço,
Colibri
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:.tossan® disse...

Esta leitura me emocionou! Lembrei do meu querido pai já se foi. Poesia e mais poesia de muita qualidade eu encontro neste blog. Abraço

Paula Barros disse...

Antes fiquei refletindo, não sei se é bom você ser obediente e parar, e continuar por outro caminho, cada caminho que segues, sigo, aumenta minha expectativa de leitora viajante.

Mesmo que não sigas o teu desejo, nesses "issos" e "coisas", sinto que teu desejo de seguir não cessa.
E não cessa o meu desejo de seguir...

Aguardando o novo caminhar com o coração saltitante.

Nanda Assis disse...

peguei o bonde andando, mas adorei.

bjosss...

Paula Barros disse...

"Os olhos são uvas. Há um doce ou um ácido no olhar"

A forma de ver o mundo pode fermentar e se transformar num bom vinho ou pode fermentar e se estragar. Foi o que me veio ao ler.

bjs

Saara Senna disse...

"O valor das coisas não está no tempo em que elas duram,
mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis,
coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis".
(Fernando Pessoa)

Beijo grande :)