31 outubro 2008

A vez do amor

Tomar o barco à tarde e remar. Ir até a ilha.
Ir para ver de lá o sol se esparramar nos confins.
Ir para olhar e escrever num caderno de capa dura,
num caderno bem guardado debaixo de uma pedra,
o desenho das águas, a história das estrelas e conchas,
o enredo dos barcos e praias, a música de cada coisa.

De tanto repetir o mesmo caminho virou esquisito
na boca do povo, no olho da vila. Um menino ainda.
Se falava muito do tal caderno que ninguém via,
onde estariam escritos mistérios e oráculos
aprendidos com a avó quando viva. Agora era só.
Mas dele também se dizia uma verdade
bonita como marlim azul:
ninguém sabia pescar como ele,
só ele mesmo entendia onde os cardumes em festa
se perdiam nas tramas das redes.

Num dia de vermelho arroxeado no horizonte,
ele não voltou da ilha. O barco também sumiu.
Lá se encontrou o caderno num local bem visível,
com uma única página escrita.
Estava escrito: sei escrever, mas não escrevi.
Eu só traçei destinos, somei o que vi a cada dia
e embelezei a ilha com o gesto da minha mão.
Brinquei de maestro diante de uma imensa orquestra.
Agora é a vez do amor, é preciso partir.

8 comentários:

Joice Worm disse...

Não esqueça de cadastrar e selecionar os seus escritos. Já há muita coisa boa para um belo livro!
Muac!

Dauri Batisti disse...

Joice, não escrevo para livros os meus poemas. Eles são muito mais livres do que eu. Foram feitos como transbordamento de algo que eu não entendo bem. Não me economizo, não reservo, não guardo, escrevo, como já disse, para viver com mais ternura. Esta liberdade de escrever sem pretensões me possibilita, quem sabe, encontrar minha própria voz.

Beijo.

Obrigado pelo carinho.

Tentativas Poemáticas disse...

Amigo dauri
Força! Parta e ame até cair para o lado!
Perdoe se não o tenho visitado mais vezes. A partir de agora prometo que passarei pela sua excelente escrita com mais cuidado. O amigo merece.
Um grande abraço.
António

Joice Worm disse...

Ya. tienes razón, amigo. Nada como ser livre para voar.
Te imagino como o Flautista a fazer correr as letras obedientes atrás de ti...
Mais Muacs!!

Anônimo disse...

O menino se encantava, "somando" nas mãos, o que os olhos ensinavam dos mistérios e belezas do mar. E até dos peixes, ele conhecia os segredos. Então, todos se beneficiaram com seu "folclore" feito de livro escrito. Muito legal essa idéia sua, poeta!
O pequeno regia a natureza, conhecendo-lhe os "instrumentos" e vozes...
Mas, é urgente viver o amor. Antes que ele se torne só abstrato.
Eu gostei de sua criação!
Beijo!
Dora

Anônimo disse...

Na verdade SENHOR POETA,tens embelezado muitas vidas regendo as palavras como um maestro faz com sua orquestra.
Adorei como sempre.
Abraços
Maria Helena

Vivian disse...

...quando venho aqui,
me encanto com o seu
canto em palavras
de letras dançantes!

isso não tem preço.

muahhhhhhhhhhh

Paula Barros disse...

Voltei no tempo. É sempre muita beleza, e cada vez mais que leio, encontro mais e mais belezas.

Imagem fantástica a que o poema nos remete. E com certeza, de muitos significados.

abraço