07 setembro 2008

Imigrante (caí no lugar passado, a literatura)

Talvez...
Talvez sejam as marcas do cemitério,
visitado tantas vezes ao lado do meu avô
que subindo ia contando a história
daqueles que viveram em tempos em que não vivi.
E, me parecia impossível que tivessem vivido antes de mim.
Decidi que queria voltar e acompanhá-los na aventura,
e dizer que surgiria um parente, menino ainda,
mas que gostava deles,
consolando-os pelo fim que no futuro viria.
Se bem que talvez eu gostasse mesmo
das fotos em preto e branco nos seus túmulos.

Eu era deles o desdobrar das células.
Eu era o futuro que só se deu depois do fim.
Um homem precisaria ver muitas gerações
talvez para se contentar e morrer
sem desespero. Esperando,
que é o que faz viver.

Isso acontecia sempre no dia de finados,
logo bem cedinho,
e este era o único dia em que a ida ao cemitério
não me causava sentimentos estranhos.
Depois voltávamos, esperávamos o almoço
e meu avô bebia vinho. Eu que não podia
bebia imagens. Elas se repetiam na mente,
túmulos e fotos preto e branco,
gente com cara simpática,
roupas e bigodes estranhos
mas que eram o suporte do meu corpo
e a estrutura da minha alma.

E quando eles partiram lá de longe,
do porto de Gênova em seus vapores imundos
iam mundo afora, esperando o que depois do mar?
Daria tudo pra fazer o mesmo trajeto ao lado deles
só para sentir e ver o mundo diferente
deixando tudo – que experiência!
E respirar o ar salgado do atlântico
e ser parido de novo na nova terra.
Nasci no lado de cá
e pude me contentar com as histórias.
Fiquei abarrotado delas.

Talvez por isso,
na sofreguidão de desvencilhar-me
das garras do (in)certo futuro
para poder viver o que tenho
– momentos, beber a vida como vinho bom -,
impregnado de contos que fui,
cai no lugar passado, a literatura.

Sou filho das palavras, dos contos
das histórias e, quem sabe,
ser assim é ser outro ser,
ou qualquer coisa que não morre
mas também não sabe viver.
Vive saltando entre os tempos e as eras
e o presente é somente o porto onde se ancora
para se ler e escrever.

8 comentários:

Anônimo disse...

Lindo, lindo, lindo!!!!
Como você tem o dom das palavras... maravilhoso!
E vi os prêmios ali do lado, vc não tem o que agradecer, pq vc merece muito mais!!!
Bjos,
Ly

Anônimo disse...

Mais uma vez mergulhei na poesia e viajei,viajei...E foi muito bom!
Vou me repetir:maravilhoso seu poema.
Abraços
Maria Helena

Camilla Tebet disse...

"Eu que não podia
bebia imagens." que lindo isso. E o que somos se nao o resultado de todos esses navios, histórias, contos, imagens, renascimentos. Somos história. e alguns de nós sabe colocar essas histórias (n)essas palavras. Assim vais escrevendo mais uma história, a sua.. a vida que deixará escrita pro futuro.
Adorei.

Clara Mazini disse...

Muito bonito tudo por aqui. Também me pego imaginando a idéia estranha de que antes de mim vieram tantos... e que depois também.

Jorge Elias disse...

Gostei muito!
Esta semana minha filha de 5 anos ficou horas querendo saber detalhes dos antepassados. Não entendia o fato de meu pai ter morrido. Nas palavras dela: " Eu amo muito meu avô e queria ouvir essas estórias dele mesmo".
Fui criado pela minha avó - uma grande contadora de estórias...
Escreví muito - "culpa" de seu poema que me fez voltar no passado.

Um grande abraço,

Jorge Elias

Ilaine disse...

Oi, Dauri!

Vim aqui conhecer o seu blog que , aliás, é muito lindo. Parabéns!

Sou eterna imigrante... Deixei a patriazinha, feito meu tataravô. No entanto, trago em minhas andanças a doce lembrança de meu país tropical. Brasil- parte de mim!

Beijo daqui

Ilaine

Leandro Jardim disse...

poema quase prosa que nos põe a navegar :)

mundo azul disse...

Foi um momento prazeiroso...Gostei do seu texto!
Uma viagem aos recônditos da lembrança...


Beijos de luz e o meu carinho!!!