19 junho 2008

Noite

Somente uma linha de luz de uma lua crescente
surgia de vez em quando na noite e logo desaparecia
por detrás das soturnas montanhas de nuvens.
O que eu tinha ali era o que eu sentia,
uma dor que me desfazia e se desfazia de mim,
debochando da inutilidade dos meus olhos arregalados
dentro de uma indiferente, fria e poderosa escuridão.

Olhei, olhei, não vi nada, nem perdida alma
que pudesse me oferecer uma faísca de vaga-lume.
Fiquei sozinho, me parindo, me esvaindo
por um fio espesso de solidão e medo
que escorria em um frio rio na linha da espinha.

Foi nessa noite, tempo de ontem tão perto de amanhã
– noite em que nasci, filho abençoado no escuro –
que aprendi a riscar palavras nas paredes internas da casa
para ganhar luzes de fagulhas enquanto escrevia:
O sol vai raiar. O sol vai raiar. O sol vai raiar. O sol vai raiar.

7 comentários:

Beto Mathos disse...

Quando acabei de ler, percebi a conexão com "A noite não dava tréguas". Estou certo, ou não foi intencional?
De qualquer forma, profundo.

Queria convidá-lo a visitar meu outro blog, "Sobre todas as coisas" (http://betomathos01.blogspot.com/).

Grande abraço!

Dauri Batisti disse...

Exatamente Beto. Você percebeu a conexão corretamente. Quis brincar o mesmo jogo de dois modos.
Visitarei seu outro espaço, sim.
Obrigado.

Josely Bittencourt disse...

Noite e dia é o ciclo da vida. As vezes parece q a noite ñ dá trégua, mas aí vem o eu lírico no final do outro poema e deseja q o sol nasça. Mas, simbolicamente ou não, o sol sempre nasce.

O q me fez ir longe... e pensar no The sun also rise, de Hemingway. Livro com influências de elementos adversos e uma geração perdida em uma noite aparentemente sem fim, no entanto o sol não dá trégua...

Dauri, um abraço.

lula eurico disse...

Maravilha! Belíssima forma de fazer aflorar sensações antiquíssimas do ser humano. "Mas é claro que o sol vai voltar amanhã..."

Luis Eustáquio Soares disse...

dauri, " o sol vai rair", quando a noite dos imperialismos, belicamente, subordina, assujeita, avilta, acoitada e assassina os novos atos nascentes; o sol vai rair, quando o transformarmos num para todos, gratuito, contra-imperial, fazendo brilhar a estrela de cada coração.
meu abraço,
luis

Josely Bittencourt disse...

humm físsil flor aqui...muito bom!

eder ribeiro disse...

eu fico a imaginar qtas noites de dores passamos a espera da palavra certa para rabiscarmos. abçs.