10 maio 2008

O destilado frutal dos pensamentos

Ando dirigindo sem ouvir música.
Mãos no volante,
asas prontas pra me soltar e pensar.
Estou cansado dessa invasão,
sons que ouço como por feitiço,
radio, CDs, malditos, até sem gostar.
Sondo-me e quero ouvir a música
que se executa em mim enquanto penso.
Desato a andar por ai, a seguir meus pensamentos
pelas ruas e avenidas, pelas pontes da cidade enfeitiçada.
Eles falam, falam e enquanto falam, dançam.
Acreditem, meus pensamentos dançam.
Dançam por uma música que nao ouço.
Dançam e planejam vôos sobre os campos
e empreitadas no mar;
constroem estradas e escrevem histórias;
dançam bonito, num ritmo alegre, até feliz.
Mas a música que me compõe,
a música do meu pó e do meu ar
dos meus oceanos e dos meus vulcões,
que faz dançar meus pensamentos
...não ouço.
Há uma esperança,
quero ver se encontro, depois da terceira ponte
no alto do monte, um pensamento mais forte,
uma emoção, um rompante, uma sacerdotisa
que me espete em circuncisão a língua
e exponha o rubedo, o silêncio da vida em sangue
e me permita desgrudar do céu-da-boca
o destilado frutal dos pensamentos,
a salmodia do meu próprio coração.

8 comentários:

Elcio Tuiribepi disse...

Olá Dauri, eu participo de um grupo de estudos e chamamos essa musiquinha que nos vem aos ouvidos como "cantilena"...esses pensamentos que nos invadem sem pedir licença e mesmo que a gente tente afastá-los eles cismam de voltar a todo instante...Você como psicólogo deve conhecer..."Gurdieff"
Tenho este problema, costume...nem sei como definir, pois as vezes viajo tanto que ne sei o que estou fazendo...parabéns pela forma como significou isto no poema...um abraço...Feliz dia das mães para vc e sua família...

Dauri Batisti disse...

Obrigado Elcio pela visita e pelo desejo de felicidade.

Quanto ao poema voei mais baixo do que você interpretou. Falo de música mesmo, dessa mania de dirigir sempre ouvindo música, de ouvindo radio ou cds;
falo da saudade de me ouvir em meus pensamentos, dirigindo em silêncio, procurando ouvir a prÓpria música.

Mas o que importa é o que você "leu", afinal a isso se presta a poesia.

Abração.

Jorge Elias Neto disse...

Prezado Dauri,

No "transito de cada dia" é que eu tenho a maior oportunidade de pensar e, muitas vezes, iniciar meus poemas.
É uma dádiva poder não ficar estressado nesse trãnsito maluco de nossa cidade.
Quando vem uma palavra ou um poema, estaciono o carro e escrevo rápido em um papel ou gravo no celular - coisa de maluco!

Um grande abraço,


Jorge Elias

Obs: envie seu endereço pelo meu email: jeliasneto@gmail.com para que eu possa enviar uma cópia de meu livro.

Beto Mathos disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Beto Mathos disse...

Tenho percebido por essas bandas um não sei que de amor no ar, um não sei que de radiante que está fazendo irradiar. Pode ser que sim, pode ser que não, mas as letras mudaram prá algum lugar, "depois da terceira ponte, no alto do monte".

Grande abraço!

Anônimo disse...

Só um poeta consegue alçar vôos tão altos e também rasantes até encontrar o pó, seu pó.
Lindo mesmo!!
Um abraço.

Mike disse...

Grande Dauri...
Arrebatadora tua última criação
Incrível como você ainda possa afirmar escrever sem sentimentos... há uma grande contradição que habita em vc.
O poema é puro instinto, é puro ouvir a música que entoa baixinho dentro de nós, e que na maioria das vezes não deixamos soar, já que estamos tão absortos na poluição sonora do cotidiano.
abraço

Dauri Batisti disse...

Grande Mike,

Quado digo que escrevo sem sentimentos digo que escrevo sem sentimentos. Isso não exclui minha tentativa de aprimorar minha percepção dos seus tons e subtons; de aprimorar minha sensibilidade. Para escrever sobre eles não necessariamene preciso estar afetado, possesso, por eles.
Como eu já disse, para escrever meus poemas eu invento sentimentos e personagens. Tudo bem que os personagens são meus e eles me revelam a mim mesmo. Tudo bem, também não quero essa cisão entre o que vivo e o que escrevo. Mas, minha pretensão é escrever assim, como um jogo, uma brincadeira com as palavras, palavras cruzadas, mais do que falar de meus sentimentos.