Um vento bate forte sobre a casa
que está do lado de cá do desfiladeiro.
Abre as portas, janelas, esparrama murmúrios.
Desadormeço, esqueço velhos propósitos,
me determino a fazer a coleta
em cada canto, sobre as mesas, no teto,
nos marcos, nos móveis, nos pratos,
no que se avista pela janela e pelo vão da porta.
Depois do muito trabalho que é faina diária
me percebo completamente insensato.
Todo esse afazer é inútil.
O que escrevo ao recolher o que o vento esparrama
é tão somente mais um retalho
do que já foi infinitamente costurado.
O que se marca em folha frágil
é o que na pedra com sangue já foi talhado.
Mal digo o bem dito que já foi de alguém.
Exaustivo fluxo insubordinado que não se interrompe,
ventania que não pára!
Não sei se te esconjuro ou se te abraço.
Se coloco grossos ferrolhos nas portas
ou se solto arraias nas barreiras do precipício.
Sou tomado, não tem jeito, é sina, por esse influxo,
barulho ensurdecedor, murmúrio de dor
a me exigir canções.
O que resta de mim ao fim da lida
é um espantalho de palhas,
exposto às tempestades e aos raios
para ser queimado de vez.
O problema é que a cada dia
ressurjo dos meus fracassos com uma vontade maldita
de achar no murmúrio palavras
que me permitam um grande e único salto
sobre o abismo.
Um comentário:
Escrever por puro prazer: um luxo reservado aos sábios e sensíveis que, com desenvoltura, transformam a letra em palavra, a palavra em versos e os versos - prazer puro - descortinam sentimentos que ousamos esconder. Então, para viver o prazer, façamos como diz Baudelaire "Embriagai-vos de vinho, de poesia ou de virtude". E eu digo: embriaguem-se de sentimentos bons. Ah! é possível se embriagar do que quiser: de generosidade, de acolhimento e até de felicidade. É gostoso, contagia e faz bem.
Ana Paula
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