O terço dos oceanos (continhos malucos)
Qualquer coisa que se diz está bom, quando os territórios do silêncio se expandem. Talvez depois de amanhã o tempo seja bom para navegar. Enquanto o que se haverá de dizer se diz só em pensamento, segue o sujeito do conto.
Ele, o sujeito do conto, diz coisas de saudades, pessoas que atravessaram o mar sem naufragar e que lhe enviam e-mails, Mas ele só recebe esses e-mails de mês em mês e olhe lá. Não que ele não queira ou não possa ler essas noticias. Mas os que foram não podem fazer nada além de fazer palavras para ajudá-lo e nem sempre ele as quer. As barreiras contra os imigrantes ficaram ainda mais altas e as impossibilidades aumentaram. Ele diz que embarcará de um modo ou de outro no próximo barco. Prometeram e a ele não cabe outra saída senão confiar naquelas promessas pagas com o pouco dinheiro que tinha, e outras coisas. Melhor não falar.
O sujeito do conto morre no naufrágio. E aquele que dizia coisas em pensamentos escolhe dizer uma palavra solta: mediterrâneo. Então ele percebe um sabor de oração na palavra e a repete, repete. Corre o toma um rosário esquecido numa gaveta e começa e dizer para cada conta a palavra mediterrâneo.
E depois das dez primeiras muda para atlântico, atlântico, e sente-se um pouco planeta, maior, sabe que é ilusão, fruto suculento da angústia de ser alguém que precisa pensar no amanhã, e depois mais adiante índico, índico, índico, e chega às dezenas do pacífico, o terço segue rápido, o sono parece como ondas que vem e vão, sempre dormiu bem, mas ainda é cedo, talvez sair e rodar, andar a pé pelo cais, pacífico, pacífico, pacífico, acabaram-se os oceanos, pensa em colocar mais um mar, já que já tinha rezado o mediterrâneo.
Cáspio, negro, morto, morto, no mediterrâneo, tantos, o Papa foi até lá rezar, ele deixa a ideia pra lá, mesmo que faltassem dez contas pra adoçar a língua com a sonoridade macia da repetição. O silêncio retorna ainda mais frio e ele fica ali, parado, olhando.