14 outubro 2013


Vozes de abrir janelas, tentativas de olhar – 4

Assim, sem mais nem menos, acordou e teve um sentimento, como quem tem um pensamento, era um triste, não era tristeza, um filhote de cachorro desgarrado da teta da mãe em meio a tantos, fuçando por ali, intrometendo-se. E a manhã tinha sido uma manhã bonita, diga-se, dessas que antecipam o verão.  Foi, na verdade, uma manhã qualquer, pois que todas são bonitas, por elas mesmas, sem depender de nossos olhos, nem das estações, porque simplesmente o mundo vira para o lado do sol de novo, apenas por isso já são bonitas, mesmo quando a infelicidade filhote de cachorro se arranja em jeitos de fuçar a vida procurando suas tetas. Olhar a vida como uma cadela com muitas tetas talvez não fosse a melhor imagem. Sacudiu a cabeça. Ao mesmo tempo respirou levemente mais fundo sem que a mulher percebesse. A maior parte das infelicidades se vive sem lagrimas e sem visibilidades. Ninguém sabe, ninguém saberá e basta. É isso. Queremos entender as coisas para viver, por isso ficamos pensando, pensando. Mas as coisas não têm entendimentos. O que a gente consegue delas são sentimentos. Até os conhecimentos científicos são sentimentos. E foi ali na venda que ele se deu conta disso, revisando a vida, revisando o dia. Cachaça não bebia, nem cerveja. Ficava ali, conversava e ria muito, boas gargalhadas dava. Tinha essa facilidade, de rir muito, por pouca coisa. Suas gargalhadas e gozações não podiam faltar no bar. E ele estava pensando numa piada sobre o balconista. Ficaria pra outro dia. Mas ele já tinha percebido o encantamento dele por aquela garrafa de mel.