Vozes de abrir janelas,
tentativas de olhar – 3
Ir à venda era só pretexto pra
pensar em tomar o ônibus. Ali em frente ficava o ponto. Ia ali todo dia, como
todos, quase todos, depois do trabalho, uma hora pra rir, ou se tentar. Prá que serve o vinho senão pra alegria? A cachaça substitui. Uma alegria vem, e se consegue esquecer certas coisas,
quando se está com os outros, quando se enche a cara, esquecimento é descanso de alma, alma é coisa sempre viva, nunca
morre, mas precisa descansar. Ia à venda só pensando no ônibus, a venda era o
ponto de ônibus, qualquer hora todos iriam vê-lo arrumado, aquela calça jeans
nova, a camisa branca sem mancha, tênis dos bons e uma bolsa na mão. E Então
todos perguntariam e ele responderia com prazer: Tô indo embora. Mas isso de ir
embora é vontade parente do sonho, vem e se desfaz, como asa que se abre para o
voo e se desfaz num braço pesado, numa mão grossa, pesos a se carregar. Quanto
maior a vontade de ir embora, maior a correia de couro endurecido que prende o
sujeito no destino que ele vive como um cavalo arreado. Encostou-se no balcão,
viu o colega que só vivia de óculos escuros e sentiu dentro de si uma coisa
ruim.