21 agosto 2013


Vozes de abrir janelas, tentativas de olhar - 1

Não era por necessidade que esfregava aquele pano úmido sobre o balcão da venda, era por costume, as horas não passavam, queria ir embora, não ia, ir pra onde e fazer o quê? Ganhava pouco e nada para ficar no balcão dia e noite. Dia e noite é modo de falar. Esfregava em idas e vindas aquele pano sobre o balcão, a madeira não brilhava, esfregava em círculos, a madeira ficava limpa, mas sebosa, opaca.  Fechava a venda por volta das oito, quando começava o Jornal Nacional. Voltava pro seu quarto, também depósito, atrás da venda, e amargava lembranças de um tempo em que tinha coisas, não muitas, e pessoas, algumas, e histórias, umas poucas. Um ou outro parava na venda durante o dia, um ou outro carro passava naquela estrada. Aquela estrada de estreito asfalto não levava a lugares importantes. Só no fim do dia vinham alguns, no fim virão os anjos? tomara, pensou, vinham na boca da noite os de sempre, fedidos, os sem dinheiro, gastar o que não tinham, rir o que não podiam, rir e xingar palavrões em cada dose de cachaça. Mas ele viu na prateleira uns litros de mel. Estavam ali e ele não os tinha visto. Sempre vendia um ou outro litro nos fins de semana quando apareciam uns perdidos da cidade por ali, donos de alguns sítios na região. Se fosse ele nunca compraria um sitio por ali, preferia a beira do mar. Mas via agora os litros de mel, via-os com desejos e salivação abundante. Estranhava-se, mas queria encher a cara de mel, queria tomar no gargalo, encher- se de doçura.

2 comentários:

eder ribeiro disse...

Dauri, ao ler, senti-me ser levado para o conto e me senti na cidade do interior da Bahia onde nasci, pois comércios assim eram muitos, e qdo olhava para os donos dos mesmos, sentia uma solidão neles. Abçs.

Maria Helena disse...


Vi com nitidez o quadro que você pintou com palavras e trouxe-me muitas lembranças...