Vozes de abrir janelas,
tentativas de olhar - 1
Não era por necessidade que
esfregava aquele pano úmido sobre o balcão da venda, era por costume, as horas
não passavam, queria ir embora, não ia, ir pra onde e fazer o quê? Ganhava
pouco e nada para ficar no balcão dia e noite. Dia e noite é modo de falar. Esfregava em idas e vindas aquele pano sobre o balcão, a madeira não brilhava, esfregava em círculos, a madeira ficava limpa, mas sebosa, opaca. Fechava
a venda por volta das oito, quando começava o Jornal Nacional. Voltava pro seu
quarto, também depósito, atrás da venda, e amargava lembranças de um tempo em
que tinha coisas, não muitas, e pessoas, algumas, e histórias, umas poucas. Um ou outro parava na venda durante o
dia, um ou outro carro passava naquela estrada. Aquela estrada de estreito
asfalto não levava a lugares importantes. Só no fim do dia vinham alguns, no
fim virão os anjos? tomara, pensou, vinham na boca da noite os de sempre, fedidos, os
sem dinheiro, gastar o que não tinham, rir o que não podiam, rir e xingar palavrões
em cada dose de cachaça. Mas ele viu na prateleira uns litros de mel. Estavam
ali e ele não os tinha visto. Sempre vendia um ou outro litro nos fins de
semana quando apareciam uns perdidos da cidade por ali, donos de alguns sítios
na região. Se fosse ele nunca compraria um sitio por ali, preferia a beira do
mar. Mas via agora os litros de mel, via-os com desejos e salivação abundante. Estranhava-se,
mas queria encher a cara de mel, queria tomar no gargalo, encher- se de doçura.