08 maio 2013

A janela ficou do outro lado (outro conto)


Onde se esconde a angústia?, ou, mais sincero seria perguntar, onde ele escondia  a angústia?, rodoviárias, não gostava delas, se apavorava em vontades de voltar, mas não voltaria, era assim, o que decidia estava decidido, e pronto, mesmo que lhe custasse um alto preço. Vou-me embora, ele dizia pra si mesmo, vou-me embora, tenho que ir, depois voltarei, e vai ser diferente. Não levava mais do que o necessário para uma semana em alguma pensão de uma rua triste qualquer. Uma sensação lhe percorria por dentro as tripas em ânsias de que a hora não chegasse, da partida, mas ao mesmo tempo a ânsia pedia que a hora chegasse logo, da partida, que o levasse, e o tirasse da rodoviária, que lugar mais esquisito estas tais rodoviárias, mesmo que pequenas, como aquela na sua cidade, pensava.

Era tudo por amor, iria embora por amor, iria com a economia que foi possível fazer ao longo de meses, pouca coisa que conseguiu guardar, iria e voltaria pra casar, ela ficou de esperar, ela o esperaria, combinaram em abraços e beijos e mais beijos, e lágrimas e pare com isso, ele repetia, pare com isso, não te quero mais ver assim, chega de despedidas, de beijar como se a gente nunca mais fosse se beijar, ele dizia consolando-a.

Era tão jovem, 22 anos, magro, uns pelos no rosto, perdidos, mais abundantes no bigode, um olhar de água parada, não sem brilho, mas calmo, calmo como pessoa boa, mas era nervoso, inquieto, teimoso, reclinou-se com a cabeça tocando o vidro da janela do ônibus, nenhuma alegria, apenas decisão, dura decisão, encarar o que Deus mandar, não voltar atrás.

Mas ela apareceu na rodoviária, rompendo o que fora combinado, se o amor propõe fidelidade, o amor também faz romper tratos, ela não aguentou e correu para a rodoviária, quando chegou o ônibus já dava marcha a ré para tomar rumo, ela olhou e viu sua cabeça recostada no vidro como um menino no castigo, sua vasta cabeleira preta, seus olhos buscando sabe-se lá o quê.

Ela estava ali movida por alguma esperança, ele a proibira de ir à rodoviária, mas ela foi. O  ônibus virou-se para o outro lado, dando a volta para pegar a rodovia de tal modo que a janela onde ele estava ficou do outro lado, nunca mais se viram.

7 comentários:

eder ribeiro disse...

Dauri, pela descrição do seu conto, deu para sentir e presenciar toda as cenas in loco. Abçs.

Dauri Batisti disse...

Obrigado Eder pela leitura. Saudades.

Maria Helena disse...


Que bom que você voltou aos contos;estava sentindo falta.
Em poucas linhas você conseguiu mostrar sentimentos diferentes num pequeno espaço de uma rodoviária que se agigantou através do interior das personagens.Senti a tristeza dos jovens.Abç.

Dauri Batisti disse...

Obrigado Maria Helena, sua sensibilidade de olhos de muito ler me deixam bem atentos ao que você observa.

Anônimo disse...

Ah Dauri...
Quanta imensidão no que escreves. Uma pena faltar-me tanto tempo para ler-te o quanto gostaria.
Beijos,
Lyani

Maria Helena disse...


Estive relendo o seu conto e cheguei à conclusão de que a minha janela está sempre do outro lado...
Abç.

Dauri Batisti disse...

É mesmo Maria Helena?! Eu entendo, a vida além de encontros também nos oferece muitos desencontros ou encontros ruins. Fazer o quê? Seguir assim mesmo acreditando que sempre também seremos brindados com muitos bons encontros.