Lâmpadas fracas
Chovia, da lanchonete olhava
aquela velha casa em frente, de dois pavimentos, em estilo eclético, do início
do século 20, perdida entre os prédios. O dia caído se anunciava não pelos
ponteiros do relógio que se avizinhava das 17 horas, mas pelas lâmpadas fracas
que se acendiam lá pelos fundos, na sala de jantar provavelmente, e que tingiam
de melancólica luz as janelas da sala que davam para a rua. Se não fosse até lá
agora, nunca mais iria.
Ao chegar pôs os pés e os olhos
sobre os três velhos degraus de pedra como se fossem sagrados, ali sentara tantas
vezes para descobrir entre aqueles homens que visitavam sua mãe qual seria seu
pai, acreditava que ele daria algum sinal de que ele era ele. Iludia-se. Os
degraus lavados anunciavam que nada permanece, os passos às pedras serradas
deram suavidades, os passos mudam as pedras. Mas não mudaram nos últimos
tempos, pareciam os mesmos. Chovia. Não era uma chuva boa, era uma que
entristecia. Trazia em suas rajadas coisas dos tempos, de tantos tempos, coisas
ardentes e pontiagudas, preferiria não voltar, mas voltava. Já batia à porta,
batia sem certeza do que iria fazer. Quando a porta se abriu ele não podia
imaginar aquele rosto, era outro, feito do mesmo. Teve um pensamento de beijá-la,
e outro pensamento de perguntar coisas, exigir respostas, dizer desaforos.
Quando seus olhos se colocaram
sobre os daquela mulher que lhe abria a porta, e antes que de todo estivesse
aberta, veio-lhe de imediato o dia em que fora por aquela mesma porta posto
para fora de casa. Não esperava aquela lembrança, não se preparara para
recordação tão clara exatamente naquele momento. Tinha apenas 12 anos. Não era
um filho ruim, muito pelo contrário, e nunca entendera sua expulsão. Sentiu um
rubor nas faces. Fora simplesmente abortado aos 12 anos. Agora estava ali,
tinha andado mundo, e ela o recebia sem saber a quem recebia. Na verdade ia àquela
porta em busca de uma ultima réstia de luz, a esperança de que por detrás
daqueles olhos de prostituta pudesse haver um veio de recordação que a ela
avisasse: é seu filho.
A mulher docemente o atendeu. 30
anos depois. Não o reconhecia com certeza. Sentiu-se feito de bobo pelas
próprias ilusões. Virou-se sem se despedir, tinha se enganado, foi só o que
disse enquanto saía. Um grito. Chovia. Saiu correndo pela rua em direção à
marquise da lanchonete do outro lado.