O meteoro das dores que só doem (outro pequeno conto)
, tem dores de coluna, dores de
amores não vividos, dores de uma infecção, mal-estar febril, mas estas outras que
sentia ali, cometas desorientados, ameaçadores, nem imaginava que iria sentir, andava por
aquela rua trinta anos depois
, a rua do lado direito era a
mesma, os prédios de quatro andares perpendiculares à rua, lado a lado, irmãos
amigos não vencidos pelas diferenças ao longo do tempo, os mesmos prédios, a
mesma vida ali, o mundo mudara, não aqueles prédios, passava por ali, com a
bolsa de couro de inspiração hippie, era tempo de faculdade, ia para a casa
dela, tinham um quê, não sabia exatamente o que existia entre eles, nunca falavam
disso, existia e era suficiente, bons momentos vividos, encontros dos mais
fortes aos mais ternos, gargalhadas por pouca coisa, sonhos e projetos apenas
para o dia seguinte
, a rua, a rua era a mesma do lado direito, mas as casas do lado esquerdo, inclusive a dela, todas abandonadas, casas de um único pavimento, térreas, o meteoro caía sobre ele, portas abertas, plantas e arvoredos secos e lixo, portão enferrujado, dos portões se avistava o que fora a casa um dia, dores desorientadas, meteoros frios e ásperos, sem aviso ou previsão, desgovernando seus passos
, os “nóias’ haviam usado as casas, via-se pela imundicie, mas alguém, talvez algum herdeiro daquelas casas mandara colocar aqueles arames de penitenciária sobre os muros tornando o meteoro das dores ainda mais cruel, do lado direito a rua era tão igual, a mesma de trinta anos atrás, mas aquelas casas na parte de baixo, cinco casas, eram lindas
, cada uma com seu jardim à frente, não grande, mas jardim, dos mais queridos os jardins são os pequenos em que se sabe de cada planta, cada canto, por que passava por ali?, até se esquecera para onde ia, trinta anos, tanto tempo se passara, dores avulsas matam, morria ali de algum modo, ou haveria de viver, sim, viver mais, viver, não, não, nada mais voltaria, a dor não tinha para quê
, não ensinaria nada, era melhor acelerar o passo, mas sentia crateras sobre os pés, sim, devia parar para olhar os detalhes das casas abandonadas, detalhes de carnes do tempo, carnes cortadas com lâmina fina, pensava que parar aliviaria aquela dor, não sabia, o único jeito era tentar, encostar-se ao portão, escorar-se na ferrugem, no ferro corroído, ah vida férrea!, deveria parar e olhar, olhar, não
6 comentários:
Muito bacana encontrar-te no rejaneando, Dauri, tenho acompanhado teus contos que, de pequenos, nada têm. Destas palavras, destes mundos, fica-me a frase - não ensinaria nada, era melhor acelerar o passo - intuir a velocidade, pra um quase tudo, é simplesmente bárbaro, mas troco a dor pelo sujeito eu, nesta frase, e fico com a intenção de aprendiz.
Rejane,
obrigado pela visita neste meu novo tempo no essapalavra. Obrigado pelas palavras, pelo carinho.
Dauri
Dor é sempre dor.Mas a dor da lembrança , do que poderia ter sido e não foi ...essa dor dói muito mais.
abç.
Obrigado Maria Helena, seus comentários são sempre bem-vindos.
Na cultura sou um marinheiro limitado, no aprendizado sou o almirante... Aprendi a a apreciar a tua obra magistral. Aos poucos eu chego. Abraço meu amigo
Dauri, quão bom é passear novamente por aqui e ver que a qualidade continua, e a blogosfera não se rendeu de todo às redes sociais... aqui há mais vagar, aqui há mais substância.
obrigada por sua presença no Cosmunicando.
abração
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