Subia, sol escaldante, o pequeno caminho que o levava ao alto do morro onde ia buscar o gado, subia a pé, o pasto já sentia a falta de chuva, e corroia-se de raiva, pois tinha certeza, seu irmão mais velho tinha descoberto onde guardava suas economias, um dinheiro de longo tempo acumulado de pequenos ganhos, um dinheiro pouco que o pai lhe dava e que economizou, pensava numa bicicleta, aquela azul marinho da loja do seu Guilherme, e assim como um pensamento que vem e vai o dinheiro sumiu, seu irmão fez que não sabia, achava-se pelos seus dezoito anos no direito de impor-se sem explicação, dormiam no mesmo quarto, três camas, na parede sobre a cabeceira um quadro de santo para cada um, São Lourenço sobre a sua, o de dezoito sobre o qual caiam suas sérias desconfianças tinha um anjo de asas bem grandes, ele com quinze e o de quatorze com São Roque, este de quatorze lhe tinha muita estima, mas o mais velho desde pequeno gostava de lhe impor sacrifícios e humilhações, nunca de todo conseguia, mas não conseguindo a contento sempre tentava, com as mais inesperadas atitudes, e de nada adiantava reclamar ao pai ou a mãe que não se envolviam com as brigas dos filhos, tantos que tinham, doze, uns já casados e outros ainda moleques, e sabia agora, ele tinha roubado suas economias, decidira vingar-se, haveria de encontrar um jeito, queria matá-lo, mas antes tinha que pensar onde ele poderia ter escondido o dinheiro, os dias passaram e com eles seguiram os pensamentos de nuvens pesadas que não chovem, mormaço e agonia, nas tentativas não encontrara sucesso, procurou por todos os cantos em que o irmão poderia ter escondido o que roubara, o gado desobedecia-lhe, corria para cercá-los e levá-los ao curral, xingava os animais que não lhe obedeciam de imediato, uma das vacas com cria nova exigiu mais cuidado e paciência, acalmou-se um pouco olhando a fragilidade do bezerro, e ao chegar do curral, suado e sujo, em frente de casa no terreiro onde o pai fumava seu cigarro de palha, o sol abaixava-se em melodias de tristezas no assobio de alguém por perto, viu o irmão, que voltava do lugarejo ali distante uns cinco quilômetros, todo sorridente e pedalando uma bicicleta novinha, exatamente aquela que ele tinha namorado no Armazém do seu Guilherme, comprei pai, economizei um dinheiro e comprei.
24 janeiro 2012
20 janeiro 2012
Levantou-se no escuro, a manhã ainda era uma espera de demora, sentia um cheiro no ar, mas não era cheiro do café que sua velha mãe fazia bem antes do sol nascer, levantou-se como se fosse dia de semana, como se fosse para a lida, a noite ainda se expandia sobre o telhado e sobre o milharal, levantou-se devagar para não acordar a mulher, o filho pequeno no berço, sentia um cheiro no ar, passou pela cozinha, a benção mãe, que cheiro é esse? a mãe escolhia feijão, o monte sobre a mesa já dividido pela metade ao lado de uma lamparina com chama fragil, Deus te abençõe, uma flor dessas que soltam no ar seus cheiros à noite, respondeu, foi andando pelo quintal, seguiu pela estradinha até o rio, arrancou a calção que usava, foi entrando aos poucos na água, era fria, mas gostava daquele frio, a noite tinha sido muito quente, de nada adiantara as janelas escancaradas, dormira pouco, ouvia os ruídos do mundo, sapos, ventos, pios de uns pássaros, tristezas e lamentos antigos que ainda reverberavam por aquelas bandas, achegou-se a uma parte mais funda do riacho, abaixou-se e deixou a água limpa, transparente mas coberta ainda pela película da noite na altura da boca, ficou ali, a água entrando e saindo da boca, e pensava, pensava, não queria, resistia o quanto podia, mas iria para a venda ainda pela manhã, não suportaria o domingo sem ir à venda, e se fosse beberia, beberia, beberia, voltaria trôpego para casa, cairia na estrada, como sempre, os filhos?, os filhos rapazes não mais iriam buscá-lo, nem a mulher, talvez a mãe fosse chorar ao seu lado sem forças para levantá-lo, talvez ficasse ali ao seu lado com um terço, um cantil com água, um velho e puído pedaço de pano na mão. Ah, mais um domingo.
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Dauri Batisti
11 janeiro 2012
Desânimo?, preguiça?, vontade de ir-se embora, viver outra vida? não!, aquilo era a vida, a sua vida, também não sabia direito o que queria fazer, só tocar a velha concertina do tio já falecido, isso queria, que ficava no paiol dos arreios, mas agora, agora teria que voltar ao cafezal, abandonar a sombra da árvore, árvore tão boa, tão triste, tão quieta de tantos anos e coisas vistas, uma árvore vê muitas coisas, fica parada e olha todas as direções, tomou as coisas, a peneira, a água, teria que ir, havia muito café a apanhar, o sol escaldava as idéias, mas iria, e já ia, um atrás do outro, seus irmãos, roupas de trabalho todas manchadas e remendadas, pensava demais, pensava na concertina, em música, em ficar no cômodo das selas e arreios, naquela velha cadeira tocando, aprendera observando seu tio, maravilhoso tocador, mas bruto como um cavalo não amansado, jamais ousou pedir umas lições, tinha olho e ouvido para observar, que aprendesse por conta própria, queria ficar tocando, tocando e inventando música, umas letras de amor com português errado, sua professora falava bem português, não tinha mistura de italiano, viera de Vitória. O que faria? Iria para o cafezal, olhou para as mãos duras como couro mal curtido, lembrava enquanto seguia, na mistura de pensamentos, do amigo que fora caçar e matou-se. O que aconteceu ninguém soube, dizem que não queria servir o exército, corria a notícia que alguns rapazes da região que serviam em Vitória já tinham sido enviados para o Rio de Janeiro, já esperavam ordem para embarcar para a Itália, melhor rezar por ele uma ave-maria, mesmo que viesse a se perder na reza, na segunda parte, antes da hora da nossa morte, sempre se perdia quando rezava sozinho, mas devia rezar por ele, os urubus uns dias depois marcaram o local, foi encontrado, tinham sido amigos de escola, sentia pena dele, estava com tudo pronto para o casamento, também ninguém explicava como fora assim decidir casar, nem se sabia que ele estava namorando, ia casar bem novo, com 17. Pensou, à noite, mesmo cansado e com as mãos duras iria tocar, viriam alguns, se sentariam ali, sua mãe, uns irmãos, os mais novos, uns empregados, seu pai ficaria da varanda observando o mundo, e esqueceriam a vida.
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Dauri Batisti
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