17 fevereiro 2011

Inesperado sol

54

Além do pedido do gerente veio o silêncio, o silêncio, a sombra, o sol escaldante, o olhar preso em insignificantes coisas, coisas passadas e presentes povoavam a mente de ambos, sem consistência, como nuvens brancas e fluidas de leveza que ora formam um animal ora formam outro, logo formam um bicho estranho e assim sucessivavemte sem ajuste definitivo. Depois daquele intervalo, grande ou pequeno não sabia, não ouvia a pergunta que o Augusto lhe fazia, outra pergunta, sobre a ilha, em parte ouvia, Dias teve o coração contraído por uma onda, Augusto perguntava algo sobre aquela ilhota ali em frente, uma onda lhe contraía o coração ao modo de onda de temporal, forte, tirando-lhe a atenção, ou dividindo-a desigualmente, a maior parte para o próprio peito e a outra pelos ouvidos ao que se dava ali, o gerente, a onda trazia um buquê de ternura, mas ao mesmo tempo arrepio de medos indistintos. O que o senhor perguntou mesmo sobre a ilha?, refazia-se do arrepio e da sensação estranha tentando voltar à conversa. O gerente respondeu, esquece, era só uma pergunta boba sobre aquela ilha, apontou. Sim, seguiu dias, é uma ilha que ninguém sabe ao certo a quem pertence, deve ser do governo, o que houve ali ninguém sabe, há uma ruína, já fui lá várias vezes, arrependeu-se de ter dito isto, talvez tivesse tido de propósito, e a onda já se tinha ido e Dias se perguntava se a avó saberia explicar o que ele sentira, uns dizem que foi casa de um barão muito rico, inventava um roteiro para um filme, que ali segregou a mulher da qual tinha muitos indícios de infidelidade, outros dizem, e já era verdade, que foi casa onde ficavam os imigrantes logo que chegavam da Europa até que lhes destinassem um rumo para as colônias. Tremia Dias com a possibilidade de ir até a ilhota num barco a remo com o gerente, ficar sozinho com ele lá, não, não queria que ele lhe fizesse esse convite, lembrava das vezes ainda bem novo quando o Barroso o levava para lá, não, no início detestava, depois deu o nome de amor a aquilo, duvidava hoje, balançou levemente a cabeça na negativa, apavorava-se do desejo que voltava sem domínios, carecendo de rédeas. Eu gostaria de ir até lá, disse Augusto, tem como ver qual destes barcos eu posso usar, você vem comigo?, sabe remar? Ouviu-se um grito ao longe, Dias, Dias, eram os meninos, à frente o capitão sem pipa sem nada, seguido pelos outros três, Dias, Dias, acenavam de longe, Dias, Dias, dizia esbaforido o chefe deles já chegando e descendo pelas escadas indo até a praia e deitando-se na areia fresca na sombra da castanheira, enquanto os outros se assentavam por ali nos barcos na areia, o menor tendo ido brincar na água parecia livre da obrigação do recado.

5 comentários:

Jacinta Dantas disse...

Nossa!
esse capítulo me deixa mais ansiosa para ler o que virá em seguida. Gosto dessa abertura que você deixa no final. Vou seguindo, com você, os passos daquele que se deixa passar por Gerente, e Dias com os seus conflitos.

Grande abraço

Paula Barros disse...

Dauri, leio (para mim) em alguns personagens seus a inquietação causada entre desejo, o amor, e o controle dos mesmos, não só neste conto, mais em outros. Que é também muito próprio dos seres humanos, cada um nos seus diversos motivos, de lutar entre as ondas de ternura e desejos, que trazem receios e medos. E precisamos de rédeas, de um autocontrole quase sobrenatural.

"a onda trazia um buquê de ternura, mas ao mesmo tempo arrepio de medos indistintos"

Porém, esta frase - "a onda trazia um buquê de ternura". É de uma beleza tão grande, mais tão grande, que vi a imagem, vi ondas que batiam nas rochas e eram flores lilás em buquê.

A palavra buquê e ternura, são duas palavras que me chegam bonitas, talvez pelo próprio significados dela, talvez pelos sentimentos que chegam...não sei, e até tentei não pensar, e só sentir.

E é uma imagem que não vou poder fotografar nunca, ah, se eu soubesse pintar.

Mas que já me deu ideias para escrever.

abraço

Paula Barros disse...

E gostaria de registrar, que os cortes que você dá nos textos, como:

"...,você vem comigo?, sabe remar? Ouviu-se um grito ao longe, Dias, Dias..."

Me traz, enquanto leitora, o corte justamente onde o desejo vem crescendo, onde queremos saber mais, queremos que a história se desenvolva, onde estamos envolvidos...e aí, vem o corte, vem o grito, muda a cena, muda o ritmo com o grito, com o esbaforrido, com os meninos...e com o nome Dias, que lembra a realidade dos dias.

É sempre muito bem escrito. E o leitor fica suspenso, ansioso e curioso querendo que continue.

Zezé da música disse...

Oi,Daurí (permita-me chamá-lo assim)
Venho acompanhando-o mais assíduamente, e já consegui colocar em dia este maravilhoso livro. Penso que este já está melhor que o outro.
No capítulo 53, que começa com a mão suave do vento, gostei tanto, que resolvi escrever-lhe umas palavras, não do intelecto, mas do coração.
Não lembrei do meu código e na hora de enviar não consegui. Como já era tarde deixei para o dia seguinte. Quando voltei ao computador já encontrei o 54 que também deixo-me encantada,até porque você arranjou um personagem com o nome do meu pai(o Dias).
Não sei porque mas,hoje(talvez por causa dos meninos) lembrei-me dos Capitães de Areia, de Jorge Amado.
Parabéns e obrigada por tudo!
Com carinho Zezé.(da Música)

Ilaine disse...

Sentimentos intensos, recordações e o mistério... na vida de Dias. Irá para a ilha com Augusto? E as idas para a ilha com Barroso? Estou curiosa.Beijo