02 fevereiro 2011

Inesperado sol

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Aqueles quatro meninos corriam pelos espaços abertos limpos dos muitos entulhos de ferro e do mato abundante agora recolhido em montes que secavam ao sol, muitas espécies diferentes que temperavam o ar de um agridoce cheiro verde e morno de vida nova, corriam tentanto levantar uma arraia, passaram pelo Dias, a chuva pouca do dia anterior no solo aquecido trazia a suavidade da terra para os seus passos corridos em sandálias de dedo que pareciam coladas à sola dos pés, corriam os quatro com uma única pipa em papel amarelo a parecer sorrir ao domingo de sol mas que rodopiava, rodopiava e não subia além de uns poucos metros acima do chão, Dias se enterneceu de suas tentativas frustradas, se bem que se divertiam do mesmo jeito pelo que ficava claro em suas risadas e nos atritos descontraídos de opinião que manifestavam para que a empresa de fazer subir a danada da arráia obtivesse sucesso, Dias não resistiu, se envolveu, acertou as varetas do brinquedo de levezas e ventos e deu uma atenção especial à rabiola, encontrou o equilíbrio das partes, rapidamente depois no céu fundo de azul brilhante e de nuvens macias de brancura o amarelo da arraia foi diminuindo, diminuindo, diminuindo, subindo como passarinho feliz que voa em seu propósito e esforço de comer, viver, procriar, a arraia foi subindo e bailando em seu voo, movimento leve e impensado de viver. Vocês viram o senhor gerente?, perguntou aos meninos como se a pergunta fosse só a expressão inocente de uma curiosidade, ele está lá no cais, responderam, e Dias se perguntou o que faria o gerente no velho cais, mas logo voltou a bem dizer para si mesmo que era certo o que ele fazia, de querer conhecer todos os cantos daquele lugar abandonado que agora esperava na ferrugem dos anos o seu olhar de cuidado e a sua palavra de admnistração, e além do mais, o cais ainda tinha um quê de vida, um movimento de pescadores que por ali se arranjavam nos reparos de suas embarcações e no manejo do pouco peixe que conseguiam em sua lutas sem feriados, dias santos e domingos.

4 comentários:

Jacinta Dantas disse...

Dauri,

Engraçado esse exercício que faço de acompanhar um conto assim, um a um, acalmando a ansiedade e, ao mesmo tempo, esperando o próximo. Gostoso esperar, com expectativa e tudo.

E o olhar enxerga a Kombi com tudo o que vem de lembranças - boas lembranças da infância, em anos 70. Os meninos soltando pipa, o morro, o vento, a brisa, o olhar para longe...longe, hoje Coqueiral de Itaparica, com os navios que mais pareciam barquinhos de papel...era longe.

Beijo

Paula Barros disse...

Dauri, fantástico o teu comentário. Isso é troca. É importante.

Aquele texto me acordou às 2h da madrugada, e ele nasceu daquele jeito. Para mim faz sentido, é parte de um processo. E é o que eu chamo de vômito do inconsciente. Que também não é muito bonito - vômito. rsrs

"Naquele corpo inerte, tem vida." E o texto todo, mesmo surgindo de uma analogia com o trabalho de um médico legista, de dissecar, de avaliar, de observar...fala da vida de um texto, do pulsar, do vibrar...

E bem sabes, que essa troca enriquece. E o final do seu comentário, toca em questões que eu precisava ouvir. É impressionante.

abraço.

Paula Barros disse...

E agora o que digo das leituras que já fiz deste capítulo? rsrsrs

Estou contaminada por uma aula que tive agora a noite, e contaminada do seu comentário. rsrs

Porque ler este conto, ler o que você geralmente escreve, é passear por belezas da vida que a poética do texto nos conduz, é se sentir cutucado por frases que penetram cantinhos escuros do ser, é refletir, não tem como passar aqui e não refletir, sua escrita sempre apresenta momentos para reflexão, mesmo que,esta não seja a intenção.

beijo

Paula Barros disse...

Dauri, continuando o meu bate papo. rsrs

Tenho um texto que escrevi e diz mais ou mesmo assim: o escritor escreve e não imagina como ele vai atingir o leitor, e o leitor lê e não imagina como vai ser atingido. Não sei se alguém já escreveu isso. Provavelmente.

Ontem, teria comentado seu texto de uma forma. Hoje pela manhã de outra, e agora a noite de outra.

Vim de uma aula de fenomenologia na psicologia, para um curso do Psicologia Hospitalar. E eu pensava o que você poderia me dizer se pudesse conversar sobre este tema. Chego em casa, e o final do seu comentário me diz o que eu sei que preciso trabalhar em mim. E foi quase como um: escuta Paula.

E na releitura do seu texto esta frase pula e me abraça: "o cais ainda tinha um quê de vida"

E ela me diz assim: Paula mesmo num leito de morte, aquele paciente ainda tem um quê de vida, de muita vida, e ele precisa ser olhado com olhos de ver, e ele precisa ser escutado, ele precisa de ser acolhido.

Tá vendo meu amigo, como ler blog, comentar em blog, vai muito além. E claro que eu não ia deixar este comentário-reflexão, ele iria comigo.

E seu eu passasse aqui todo dia e disse: Lindo texto ou Adorei. Eu sairia igual como cheguei. Mas eu nunca saio.

Obrigada! abraço!