28 janeiro 2011

Inesperado sol

45

Foi então para os escritórios gerais onde estaria com certeza o gerente a despeito de ser domingo, não sabia exatamente o que dizer quando lá chegasse, mas se arranjaria, como se arranjou com a ave depenando-a toda, fez depois uma pequena fogueira com folhas de jornal e queimou-a, como já tinha presenciado tal ato da avó, os últimos pelinhos, segurando-a pelos pés pela cabeça pelas asas, o corpo pendendo como um coração magoado, e assim adiante, tudo muito rápido, com cuidados sem se queimar, dava na verdade um banho de fogo na ave sem chamuscar a pele apenas os pelos, nem expo-la à fumaça excessiva, um cheiro de pelos tostados subiu, não gostou, correu com ela até a pia, lavou-a com bastante água corrente esfregando com sabão todas as suas partes como se fosse um bebê, não sabia se isso seria necessário, mas o fez, a seguir veio os cortes, desajeitado, a faca afiada exigia cuidados, fez o melhor, a aula de inglês e bons conselhos, lição de sucesso ao estilo americano, do your best, sorriu com o canto da boca, os cortes se sucedendo, a faca engasturando-se com os ossos ao errar as juntas, vida de esbarros, aborrecimentos, má sorte, desprazer e debaixo da torneira sempre aberta, economia de água agora a avó que o perdoasse, retalhada em partes numa tigela parecia outra coisa, superfície rosea em vários tons encraterada, flocos amarelos de gordura em profusão nas carnes, derramou sal, faltava limão, empolvilhou ainda mais sal sobre a ave, a avó que a temperasse adequadamente depois, e preparou-se para ir até os escritórios gerais, lavou bem as mãos, cheirou-as, lavou-as de novo e ainda sentia um almiscar, um cheiro de carne, de visceras, esfregou sal e enxaguou-as afinal, preocupou-se nessa hora com o estivador, ele o haveria de cercar em algum canto mais cedo ou mais tarde, que se dane, disse procurando um café pra tomar, ali o bule sobre a chapa do fogão, viro-me bem, desvencilho-me dele mais uma vez.

5 comentários:

Paula Barros disse...

Ontem pensava como e quando voltaria o gerente. Pensava como o autor (você rsrs) vai colocando personagens e fazendo as tramas, e como voltaria a elas, pensei no molho de chaves.

Todo o processo do corte da galinha a lembrar a vida, paralelos interessantes. Lembranças que surgem.

----------------------------
Lembrei a primeira vez que fui cortar um galinha, ela pulava do balcão, escorregava, eu puxava pela perna,segurava o pescoço,e ela não ficava quieta, parecia que estava viva. E eu não encontrava as juntas.Então fiz um jura de quando tivesse minha casa só comprar a galinha em pedaços.

abraço

Paula Barros disse...

Dauri, não sei se você se incomoda de me explicar/dizer se é Dias quem aparece no capítulo 19. Relendo alguns capítulos, fiquei com esta dúvida.
É a leitora querendo acompanhar e pensando que estava acompanhando bem, e que nada, vai escapando momentos da leitura.

beijo

Dauri Batisti disse...

Não Paula, lá era o fugitivo na casa da gerência, ele que tinha sido tomado como o gerente, ele teve lembranças da sua infãncia naquela casa, sozinho.

Paula Barros disse...

Ok, Dauri, me confundi, porque ele também pensou na avó. Então pensei que era Dias, com a influência da avó já naquele capítulo.

Obrigada!

CARLA STOPA disse...

Sou nova por aqui e quero ler tudo...Grande abraço meu amigo.