03 janeiro 2011

Inesperado sol

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A mulher pigarreou enquanto empurrava a porta dos fundos e que dava num pequeno hall onde ficavam umas caixas de legumes vazias, uns latões e coisas do tipo como se fosse uma casa de fazenda, e se ia por ali até a cozinha, onde ela, enxergando muito bem com os seus tatos e os costumes com aquelas partes da casa, se assentou. Esperaria ali com as duas mãos descansando sobre a mesa ao modo de rezar, sem rezar, guardando aquele pequeno papel dobrado, um papel de embrulho que ela cuidadosamente envolvera com um lenço de xadrez apagado, um tecido que teria sido outra coisa antes de lenço talvez. Quando ele, o suposto gerente chegou à cozinha, a luz do sol ia longe de se esparramar majestosa por todos os lugares e recantos daquele mundo, a noite largava ainda grandes e pesados fardos das suas nuvens sobre as coisas. Assustou-se o senhor suposto gerente. Assim acontecera. Matou a mulher pensando que era um ladrão no escuro quando ao ouvir um barulho, alto da noite, apoiando-se em coragem no revolver do qual se orgulhava e mostrava aos amigos, empunhou-o e foi sem acender luz nenhuma à cata do dito cujo que lhe invadira o domicílio. Assustou-se a mulher na cozinha, que se levantara, não se sentia bem, não sabia direito o que lhe fazia mal, estava enjoada, e engolia no escuro uns goles d'água bem gelada com certas tristezas e desencantos. A água bem gelada parecia diminuir a revolta do estômago. Levantou-se apavorada da mesa ao ver e reconhecer o marido com a arma na mão, a pobre e jovem mulher, ao contrário desta agora que se manteve sentada com seu lenço na mão a guardar aquele papel, uma espécie de documento, levantou-se deixando a cadeira cair, sem tempo pra dizer sou eu querido, o barulho da cadeira no chão foi maior pelos medos que invadiam a casa, o marido precipitou-se atirando e matando a esposa naquele escuro da vida nas penumbras da cozinha, nos segredos da casa. Agora ali a mulher, a velha e pequena senhora manteve-se quieta, quase uma pedra, não fosse um bom dia senhor gerente que ela em voz mansa, com um certo quê de mando, foi dizendo.

2 comentários:

Plinio Uhl disse...

Por onde passa, você sempre deixa belas palavras, Dauri. Espero que tenha tido Boas Festas e aproveito para desejar um ótimo 2011, cheio de novos versos a serem escritos.

Anônimo disse...

um dia ainda chego perto dessa estética mágica da tua palavra. belo e intenso texto. abraços.