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Eu matei, ele pensou, eu matei. Então de um salto pôs-se de pé, era hora, passara da hora de ir embora, dirigir sem estrada certa, escolher uma estrada na direção contrária, aquela que segue no rumo oposto à dor, no rumo oposto ao amor, no rumo oposto das lembranças, se existe essa estrada. Foi até à janela, pôs-se ali, as duas mãos espalmadas nas paredes laterais da janela, um cristo crucificado no vão da janela aberta, o vento vinha do mar, frio, a brisa carregada de maresia, a noite de nuvens de chuva ainda por chover batia-lhe no rosto com a escuridão, a noite tornava-o peça principal de uma cena sem espectadores. Eu matei, repetiu em pensamento, eu matei. Jamais pensara um destino assim com o qual curvava-se agora, por mais que se mantivesse ereto. O perfil da velha siderúrgica no escuro da noite emoldurava um mar e um porto escondidos pela escuridão. O que o mundo reconhecia era apenas o ruído indistinto do mar indiferente passando pela janela como se ele ali não fosse nada. Eu matei. O vão da janela parecia ainda maior.