10 abril 2010

Inesperado sol
2

Ao atravessar o portão e logo mais adiante deu-se com um pequeno riacho que cortava a estrada arenosa. A água era limpa, limpa, o chão de areia da estrada não a maculava com nenhuma sombra de lama, mesmo quando as rodas da caminhonete lhe cortaram o fluxo. Uma curiosidade fez com que ele parasse ali, a abservação do ambiente, do lugar era o ganho que lhe permitia alguma posição de segurança. Olhou e viu que a água corria de uma caixa, velha e grande caixa d'água, com grandes nomes corroídos que não interessava ler, do alto vinha o filete, musgos e plantas ali se fixaram, e o vento frio que no alto gemia mais forte roubava-lhe com cruel constância leves gotas para deixá-las respingar por ali, tornando a vegetação das proximidades mais verde e viçosa.

Algo lhe ocorria na mente, não conseguia precisar o quê. Era uma espécie de saudade, uma força de raiva, um desejo fustigante das partes espirituais do estômago quando se vai e se vai e se vai distante ainda da realização de um querer. Resolveu sair do carro, puxou do bolso a cartela de cigarro, repetiu mecanicamente aqueles gestos de por o cigarro na boca, procurar num bolso, no outro, no casaco o isqueiro, e então vieram na sequência os primeiros desenhos de fumaça, pensamentos esvoaçantes, afônicos. Uma satisfação momentãnea parecia dar-lhe ali um amparo de viver outra vez naquele dia.

Recostado no paralama verde azualado ele desaguou-se em minutos perdidos, quantos não sabia. Era bom, respirava e fumava, respirava e olhava o rio que nascia da caixa d'água. De repente um pássaro vermelho, que pássaro era aquele?, veio junto com um olhar desprevenido, o vermelho vinha e ele não foi capaz de precisar de onde ele vinha. Vinha da caixa d'água, da vegetação ao redor, do topo da caixa. Acreditou por final, deu-se este entendimento de que o pássaro vermelho e a caixa d'água formavam um abraço, haveria por ali em algum recanto um lugar de ninho. O pássaro seria uma mãe com filhotes, não era muito grande, mas esperto sem ser agressivo, ele deu uma revoada sobre o espaço onde o carro tinha parado e se foi confabulando com o mundo na direção que seguia a estrada.

8 comentários:

Sueli Maia (Mai) disse...

A segurança que advém, do quanto se conhece amiúde, o terreno em que se pisa.
Tentei lembrar os pássaros vermelhos que conheço - Tiê-sangue e galo-de-campina...
A descrição do cenário foi tão rica que eu projetei.
um beijo

eder ribeiro disse...

Cara o gostoso de te ler é que nem percebemos que estamos te lendo, mas vivendo as personagens devido a riqueza de detalhes que vc tão bem descreve nos textos. Abçs.

Mª Helena disse...

A personagem e sua caminhonete parecem-me conhecidas.Ele com seus pensamentos e movimentos leva-me a vê-lo nitidamente como se estivesse perto de mim.Achei interessantíssimo os pensamentos afônicos...
Abçs

Dauri Batisti disse...

Maria Helena, uso algumas referências reais, mas a personagem é criação literária.

Obrigado pelo comentário.

Sandra Leite disse...

Dauri

Uma das coisas que mais gosto num texto é quando me sinto parte dele. Quando as palavras não assustam, mas aproximam. Todos temos vícios.

O pássaro vermelho insiste na liberdade.

beijos

Anônimo disse...

Demoro, mas sempre volto.

beijos

Ilaine disse...

O texto é uma inesgotável fonte de poesia. A leitura se dá de forma flutuante à cadência de palavras sempre radiantes. Embalam-me, com leveza. Muito lindo, Dauri!

Léo Santos disse...

Hummmm! O pássaro vermelho e a caixa d'água formavam um abraço... Vou lendo!

Um abraço!