06 janeiro 2010

O último porto do rio
21

O subir e descer de barcaças sempre é intenso, e no percurso se encontram várias pequenas frotas que seguem em sentido contrário. A bem da verdade durante a viagem nem lhes prestei atenção, e nem dei aos canoeiros os devidos cumprimentos, conhecido que sou de todos, dividido que estava entre o sofrimento de não ter podido atender o pedido de Maria Júlia e as gentilezas e deferências da senhora Hannah para com a minha pessoa. Desenvoltura é o que ainda não tenho em dizer este nome, Hannah, posto que a língua não se dobra adequadamente, nem a consciência. Não nego, contudo, que acrescentar o nome Hannah ao senhora me estimula sobremaneira certos impulsos que seria melhor se ficassem reservados em seus recôndidos lugares. Para me distrair vou sentar ao lado do mestre Gumercindo, e, sabendo que ele percebia o meu desajeito, começo sem receio a prosa com a mais desenxabida pergunta, Quais as novidades no Porto do Mar, mestre, o senhor que vive a sua vida entre as duas cidades? A novidade é trabalho, filho, mais trabalho, logo chegarão os vapores trazendo italianos, centenas e centenas de imigrantes, milhares, e, dizem, no contrato está estabelecido que entre os benefícios que receberão do governo brasileiro está o transporte até às colônias. O patrão com certeza não perderá a ocasião para lucrar, o senhor conhece o homem. Nesse momento, pelo soar de um buzo tomamos conhecimento que uma atrasada barcaça subia o rio. O mestre estranha o fato. Mais cuidadoso ouve, ouve apurando a atenção e diz, Só ouço o toar de um buzo, é uma só, o que faz sozinha, ó meu Bom Jesus dos Navegantes, esta barcaça subindo o Santa Maria em noite tão escura e já tão tarde para ainda estar neste trecho do rio? Outra vez se põe em silêncio e diz, Já sei qual barcaça é. Eu não sabia, mas eu sabia o porquê ele sabia, mas ainda assim considerei com respeito sua fala como se fosse a primeira vez que ouvia aquela explicação, Conheço cada buzo deste rio senhor João Francisco, cada buzo é próprio e distinto, como cada pessoa é diferente, assim feita pelo Bom Deus. Então, sem mais demora, ele responde aos canoeiros que subiam em tardia barcaça com o seu toque. Meus Deus, ali estava a alma daquele velho negro canoeiro. Aquele toar de buzo recapitulava todos os seus ais, todos os seus sonhos, cada um dos seus dias. Estremeço-me em arrepios, um indistinto sentimento me aperta o peito, persigno-me.

11 comentários:

Paula Barros disse...

Dauri, sabe o que percebi/lembrei hoje em pleno engarrafamento, que não gostei da atitude de Hanna, nem do que anda pensando João Francisco. Achava lindo o amor dele por Maria Júlia.

Mas isso é coisa que me levou a pensar nos meus conceitos e nos pré-conceitos, atitudes e outras coisas mais.

Mas eu vou seguindo nessa história de tantos elementos, e beleza.

beijo

Wellvis disse...

lindo, adorei.

abraços

Mercedes disse...

olá poeta!
um lindo 2010 pra você também, obrigada pela mensagem :)
beijo

:.tossan® disse...

Muito bom...vou continuar a ler os outros e procurar o sentido. Abraço

Paula Barros disse...

Dauri, ontem li seu comentário no blog de Mai, hoje no de Elcio, fora o do meu blog.

É tão gostoso ler teus comentários.E faz um mês mais ou menos que acho eles mais bonitos, com o quê que não sei explicar. Hora me passa leveza.

abraço, boa noite!

Dauri Batisti disse...

Paula, acho que as pessoas gritam gol para simples passes de bola nos comentários nos blogs. Faço um esforço danado para fazer o mesmo, mas não consigo. Só grito gol quando é gol....rsrsrs. Você me entende? Mas afinal, mesmo não avaliando o texto como bom, desejo manifestar o meu carinho. E, na blogosfera - que é o lugar só do elogio - o que importa é a amizade, nada mais.

Um beijo.

Dauri Batisti disse...

Ps.: ... Paula, bem que eu gostaria de ver através dos blogs de quem curte escrever uma outra troca que não apenas a troca de elogios. Mas, não há, no entanto. Fazer o que, né?

O saldo, contudo, é bem positivo pela amizade que surge entre as pessoas. Nos dias atuais isto é muito, muito importante. Daí minha permanência na blogosfera.

Beijo.

Paula Barros disse...

Dauri, entendo você, claro que entendo. Eu sinto o mesmo.

E feito diz Gumercindo:
"cada buzo é próprio e distinto, como cada pessoa é diferente"

O problema que sinto, é que seja a relação chamada virtual ou real, somos seres humanos, e essas diferenças se fazem presente, e o cuidado muitas vezes tem que ser redobrado principalmente no virtual.

E isso percebemos no teor dos blogs, nos teor dos comentários.

abraços

Elcio Tuiribepi disse...

Oi Dauri, me perdoe, mas li o que escreveste lá no blog da Paula e li aqui as palavras dela...
Você tocou muma coisa que já percebo há bastante tempo...
É uma realidade, aqui só recebemos elogios...rs...é raro quando acontece o contrário.
Um amigo uma vez fez um teste, colcocou um poema que achava sofrível, mas mesmo assim os elogios continuaram. Concordo, é uma forma de manter uma amizade, fazê-la crescer independente de qualquer outra coisa, não consigo ser exagerado quando não é para ser. O pior é quando elogiam um texto que nem é de nossa autoria, aí a coisa fica ainda pior e mais clara...mas acho que compreendo.
Desculpa o palavrório...rs
Um abraço na alma...

Elcio Tuiribepi disse...

Só para completar, elogiam um texto como se fosse da gente, pois nem terminam de ler e já saem comentando...rsrs...é isso...

Sueli Maia (Mai) disse...

Um halo de mistério fica em suspense nas entrelinhas e tudo segue seu curso. E Hannah está pelejando e latejando na cabeça do sujeito.
Um beijo.