26 dezembro 2009

O último porto do rio
14
A impossibilidade de ficarmos juntos se repetia em cruel suavidade na cena, uma barcaça descendo o rio e ela, no cais , parada, com sua sombrinha sem giros, um mundo sem sol. José Bento Caetano já me avisara, Maria Júlia já não é a mesma. Algo acontecia, nem ele sabia, seu amigo que era, apenas imaginava causas que preferia não me falar. A alegria nela, rio encachoeirado e borbulhante, era nos últimos tempos uma poça d'água sobre pedra quente. O pedido que desce comigo pelo Santa Maria, tão simples, tão inesperado, agora me dói ainda mais. Ela me disse Posso confiar em você João Francisco, posso? Tantas vezes ela confiara... Por que ela me apresentava assim o seu pedido, com este preâmbulo? Por que não entrava direto no assunto? Por que acrescentar aquele posso confiar em você João Francisco? Tão estranho quanto simples, o pedido bateu sobre mim, um jequetibá em tombo depois de muitas machadadas. Ela me convidou para sair do salão e eu, insensível, disse, Fala aqui mesmo, posso te ouvir. Ela me levou para um canto da sala de dança e me fez o pedido, Me leva ao Porto do Mar? O que você quer Maria Júlia, perguntei. Não perguntar O que você quer no Porto do Mar?, era como perguntar O que você quer de mim? Ela bem entendeu e disse, Nada, não quero nada. Levei-a para fora. Desejava lhe falar o que nunca fora capaz de dizer, mas apenas repeti a pergunta, agora mais específica, O que você quer fazer no Porto do Mar? Antes que ela me respondesse vi as palavras em redemoinho na minha mente, palavras suas por direito, palavras jamais ditas, sementes que perderam o dom de germinar; de nada adiantaria arremessá-las ao chão rasgado de dor pelo arado. Fiquei em silêncio. Então ela me disse o que queria no Porto do Mar.

6 comentários:

Elcio Tuiribepi disse...

Olá Dauri, lendo sua explicção ali do lado, concordo, poucas pessoas tem tempo para ler textos longos, é uma verdade verdadeira...rss
Se não leio, prefiro nem comentar, acho mais legal assim.
Pode ser lido independente sim, pois não li todos os outros e sendo sincero mais uma vez, acho que li apenas três com esse de hoje, mas tenho certeza de que juntos formam um excelnte conto. Escrito por quem o dom das palavras e das formas dentro da alma.
Achei muito interessante isso:
"Tão estranho quanto simples, o pedido bateu sobre mim, um jequetibá em tombo depois de muitas machadadas"
Fica fácil vusualizar a cena e mais fácil ainda entender o sentimento do João Francisco...
Bom domingo para você...um abraço na alma

Sueli Maia (Mai) disse...

Ô djáxo, Dauri, tu solta um comercial numa hora dessas??? Mas o que é que ela quer no porto do mar?

Mas ela tava minguando, né?
Suas metáforas - feito quem joga um balde cheio d'água na cara do outro - jogam o leitor na cena e na emoção. Muito bom.

Mas Ave Maria, homem... continua a escrever, Vai...desembucha logo!!! (risos)Eu continuo por aqui, lendo.
P.S.

Bem interiorano esse conto.
Uma delícia de ler.

Sueli Maia (Mai) disse...

Em tempo, os poemas 'na margem da página' estão um mimo do céu.

beijo.

Luis Eustáquio Soares disse...

"partir, meu deus, partir/ tenho medo de partir", daí o porto do mar, como lugar de chegada e de partida, bifurcação entre a vida e a morte, entre mais viver e mais morrer. o que queremos, assim, do e no porto do mar? Texto de horizontes, batisti, querido amigo navegante, para inspirar-nos.
excelente semana pra ti,
luis de la mancha

Luis Eustáquio Soares disse...

"partir, meu deus, partir/ tenho medo de partir", daí o porto do mar, como lugar de chegada e de partida, bifurcação entre a vida e a morte, entre mais viver e mais morrer. o que queremos, assim, do e no porto do mar? Texto de horizontes, batisti, querido amigo navegante, para inspirar-nos.
excelente semana pra ti,
luis de la mancha

Paula Barros disse...

Dauri,

Como um nome me fez diferença: João Francisco. Achei forte. E é como se tivesse ficado mais íntima dele. Achei interessante a forma que inseriu o nome (não lembro nos textos anteriores), nessa conversa mental, onde pude sentir a angústia dele, um receio.


Em cada texto seu, você tem uma frases, uns trechos, que é de tirar o fôlego.
"A alegria nela, rio encachoeirado e borbulhante, era nos últimos tempos uma poça d'água sobre pedra quente."

"Tão estranho quanto simples, o pedido bateu sobre mim, um jequetibá em tombo depois de muitas machadadas"


abraço!