31 dezembro 2008

O sol me influencia de impossíveis ao amanhecer. Rejunto
velhas fantasias com insensatas alegrias e entusiasmo.
Fico feliz em ir, não sei se serei em estar. Vou.
Talvez minha alma ainda necessite de distâncias
para modelar em si mesma o rosto de uma flor,
a que lhe oferecerei, ou ao mundo, ou a mim mesmo.
Poder-se-ia viver o amor sem rotina? Adoro dirigir.
As linhas da pista me desenham desejos loucos,
e o vento no rosto me sussurra pássaros de ir sem destino.

Sigo o roteiro traçado. Ameaça chover.
Ouço “Love will tear us apart”.

30 dezembro 2008

Penso, o que viajo é o amor, ele me vai definindo,
me construindo das velocidades do que passa
por mim e em mim. Não sei, todavia, se me vejo bem,
e se me reconheço nos caminhos que faço.
Encontrar-me-ei feliz a cada dia em seu olhar?
Traduzo-me das minhas dúvidas pelas canções que ouço,
separo-me parte por parte para me clarear... e não me entendo.
Na nossa hora a luz sairá pelos olhos, acredito,
e naquela fração, há uma chance, mostrar-me-ei nu e puro.

Avisto na vastidão da noite um posto de gasolina.
Ouço “Every breath you take”.

29 dezembro 2008

As estradas me voam de pensamentos;
um vago, a imperfeição me acompanha,
todavia. Faço a colheita de girassóis
que semeei nas margens do coração, tentativas
de lavrar-me com plantações diferentes.
Reduzo a velocidade e paro no acostamento.
Sinto vontade, inexplicável, de olhar para trás.
Retomo a viagem. Há uma solidão imensa no sol.
Acolher-me-á o veludo dos seus lábios?

Ignoro-me no volante e grito, grito o azul e a incerteza.
Ouço "Love, reign o'er me".

28 dezembro 2008

A saudade no olhar derramarei
sem controle; é inevitável. Na pronúncia
da primeira palavra entregarei as intenções
de um homem em rendição. Ao seu chamamento
direi sim com as mesmas letras da palavra amor.
Feliz, acelero, perco a paisagem,
penso a chegada. Não tenho dúvidas,
sem sinceridade a distância seria maior. Ainda é longe.
Abrir-se-á a porta em sorrisos?

O ar e a amplidão das terras me rejuvenescem.
Ouço “When a man loves a woman”.

27 dezembro 2008

Será que verei um gesto cordial?
No estender dos braços as estrelas tocarão
as pontas dos meus dedos. Seu perfume
tomará meu peito e me fará manso, doméstico.
Converter-me-ei aos seus caminhos enquanto
a sorte me permitir estar em sua casa.
Ainda me faltam horas,
as lonjuras amarram laços frouxos
que se apertam a cada quilômetro.

Sigo dominado pela frágil luz da tarde.
Ouço “Your latest trick”.

24 dezembro 2008

(encerrando os poemas do desterro).

Minhas estradas se cruzam na Pérsia, طرقي,
no Pará, no Paraná, no Pantanal.
Mas não há lugar para a reconciliação comigo mesmo,
我的方式, com as frustrações da profecias,
senão ali na terra dos Guaranis, a terra sem males,
na boca do Piraqueaçu. My ways.
Ali sentado aos pés de uma velha castanheira
olhando na outra margem os coqueiros e o vento
nos movimentos de suas palmas,
οι τρόποι μου, me apanho em pleno vôo de paz.
Em paz, no desterro, mas em paz.
Frágil paz, todavia paz.
Revejo o caminho que fiz, 私の方法,
de Vitória à Santa Cruz, dirigindo sem pressa,
e especialmente refaço o encontro, le mie strade,
com os Santos Magos, sacerdotes persas
que tentaram me ensinar a ciência de ver o Númen,
de enxergar o Numinoso em qualquer lugar,
mis caminos também em ramos de flamboyant.
Confesso, não aprendi muito, nem o suficiente, preso demais
às minhas formas de dizer oráculos, meine Straßen.
Contento-me, todavia, com o que ficou das lições,
dos cálculos e modos de previsões,
da análise das constelações, do que da gente
a gente vê nos céus. Fragmentos que ficaram
dos modos de voltar, mes routes, por outros caminhos,
da beleza de presentear-se para os que amamos.
Ali recordo o que posso das poesias e dos segredos que se revelam
na pronúncia das palavras, o canto que se faz com elas;
nos átomos que elas movimentam, os corações que elas abrem;
no chão que elas fecundam, os frutos doces que produzem;
nas estrelas que elas criam, os cometas que elas fazem passar
bem diante dos nossos olhos...

23 dezembro 2008

Quando as estradas, it is in my eyes,
me reclamam os passos
e os campos me convidam às andanças
uma ânsia nova se avizinha, eu sei, está en mis ojos,
mesmo que as antigas ainda rolem ao meu redor
como folhas secas de feitiços e maldições.
它在我的眼睛. O que avisto no deserto
é o que me desatina nos pés
a aflição de estradas, estradas, estradas.
Enxergo sangue flamboyant derramado
por todas as ruas, nas praias, nos morros
no desterro, na agonia, sem fim.Terra.
Terra da violência. Árvores e homens
tombam. Números assustadores,
um dia depois do outro. Sem estancar.
Tomba-se, tomba-se, tomba-se,
brado retumbante, baque, sangue,
flores de flamboyant, nossos campos
tem mais fogo, fogo, queimam tudo.
Não está nas estradas, eu sei,
está nos meus olhos o que eu não consigo,
por detrás deste ofuscamento de ver,
Il est nous mes yeux. Preciso ver um sinal,
flamboyant por todos as paisagens,
galhos dobrados sobre os muros.
É esta ceguidade para os sinais,
それは私の目にある,
que me impede as esperanças.
Onde o que me cura, o que me ensina a ver?
È nei miei occhi. Onde o mago, o ungüento,
o óleo de peixe, a flâmula, a estrela, o cometa?
Rabboni, ut videam.
Padrone, desidero vedere.
سيد, يريد أنا أن يرى.
Master, I want to see.
Maître, je veux voir.
Κύριος, θέλω να δω.
Meister, möchte ich sehen.
주인, 나는 보고 싶다.
Оригинал, я хочу увидеть.
Amo, deseo ver.

22 dezembro 2008

O que eu já era e não dizia,
chi ora parla è i sogno, agora admito,
sou uma flâmula rasgada ao vento.
Meus oráculos não se realizam.
Eu, petite flambe, o mundo também,
somos o que já passou, e ainda é.
Acusam-me de dizer palavras ásperas,
cavas, sem azeite e sem perfume.
Abdiquei das predições, não mais as proclamo.
Quién habla ahora son los sueños, lindos sonhos,
dos quais não me recordei quando acordei
nas manhãs de susto e de medo.
Eles voltaram, e me falam e ampliam suas vozes
nas caixas do meu coração,
e me obrigam a falar.
Para mim mesmo. 誰現在講話是夢想.
Eles me convenceram
que a palabra é meu único remédio.
A parola me torna presente, apesar do passado
que me vem cercando por todos os lados,
me deixando aberta só a travessa
por onde o sol se levanta.
O que sou eu já sei, small flammule,
agora tenho uma certa paz.
Qui parle ils maintenant sont les rêves.
Não pronuncio mais oráculos,
componho canções que já foram compostas.
O que faço é alterar as palavras,
μιλά τώρα είναι τα όνειρα,
inverter as notas, subverter os versos
e brincar com a letra que fica assim.
Brinco. Mesmo que só por uns minutos,
누구가 지금 말하는지 꿈이다,
brinco para resgatar, lambendo
nas pequenas corolas,
de sazonais flores dos desertos,
الذي يتكلّم الآن الحلم,
filetes de lucidez e de ternura, pois que
enlouqueci. Acho que enlouqueci.
Who speaks now are the dreams. Todavia,
as vezes as gotículas de mel me fazem pensar,
flammule piccolo, que brincar talvez seja
outra forma de amar e suportar...
e continuar soltando oráculos.
Quién habla ahora son los sueños.

21 dezembro 2008

Un ramoscello di flamboyant,
um galho do flamboyant
pende para a rua, 枝杈華腴,
para a rua por onde eu passo.
Um galho todo vermelho,
Хворостина flamboyant, pesado de fogo,
de excessos. La rama de la flamboyant
não diz absolutamente nada,
mas eu quero que ela diga,
que seja um sinal, a branch of flamboyant,
uma mensagem de tempos melhores.
O flamboyant vermelho,
- pois que também há
o amarelo - floresce,
alheio ao mundo
a mim, à tudo. 火炎式の小枝. Feliz.
Parece gozar, zweig der flamboyant,
de tão florido; cada vermelho, um mundo
exageradamente derramado
para todos os lados, também
um galho para a rua, غصين من ملتهبة ,
una ramita de flamboyant vencendo o muro.
Penso, ele vence o muro, une brindille de la flamboyant
pende para a rua. Ele quer proclamar uma boa nova.
Não... me engano. Meu coração é que pende.
Pender. O que é pender? O que é estar pendido?
Pender é cair, agarrado, preso.
É estar por cair, ainda não caído,
pendurado, na vertigem da queda,
do baque. Meu coração pende
de dor, de luto, de agonia.
Mas, eu espero,
há no galho do flamboyant,
no vermelho, 눈부신의 잔가지, algo a mais.
Ένας κλαδίσκος επιδεικτικού,
fogo de esperança, rubedo de teimosia,
eu resisto. No ramoscello di flamboyant,
decido, quero ver...

20 dezembro 2008

呷き声, gemidos se ouvem
por detrás das paredes,στεναγμοί
do mundo. نواحات. Por detrás
das quatro paredes.
As paredes viram muros,
prendem no sofrimento.
Ser pertinaz na esperança.
O quê? Nada. Moans.
Quejidos. Retinas, gémissements,
imagens de dores
acumuladas.
Belezas que se esvaem,
sombras laterais, sorrateiras,
espreitando homens, mulheres,
crianças. Olhos, ächzen, que falam
por brilhos de lamentos.
Gemiti. Vigia-se a aurora
e espera-se, espera-se.
Será que vem. Será que se realizará.
Será que será feliz um dia
quem espera.
As flores, os ramos,
os laços se desfazem
nos dias, 呷き声,entre eles,
신음 소리,
no peso de cada hora, de cada dia,
envergando, alquebrando a serviz.
Se refazem os rituais de sonhar,
por detrás das quatro paredes,
se invoca o espírito bom,
o que traz força. Coragem. Bondade.
Mas, стоны,
os sonhos acontecem trocados.
Os sonhos se tornam algozes
cuja função é acordar
só para forçar a visão,
no escárnio, do que tem vindo, 呻吟声.
O que tem vindo é a violência.
ماذا هو قد أتى العنف.
Che cosa ha venuto è la violenza.
Αυτό που έχει έρθει είναι η βία.
Qué ha venido es la violencia.
그것에 의하여 온 무엇을 폭력이다.
Ce qu'est venu est la violence.
Оно приходило будет расправой.
Was es gekommen hat, ist die Gewalttätigkeit.
什么它来了是暴力。
What it has come is the violence.
それが来た何を暴力である。

19 dezembro 2008

Já vais pressuroso
atravessando a luz da manhã
dos claros dias de dezembro e nem sentes
que o dia seria outro, diferente,
se houvesse, se houvesse olhos para...
Tu segues com o peito ofegante
e o pensamento sem se dar com a paz.

Ah, sim. Logo cedo. Corres
para o dentista.


Para onde te lanças
sem reparar as ramas da primavera
que se debruçam sobre tua janela
em pequenos arranjos.
Não te apercebes que o verão logo chega
e a invasão de calor e de maresia
logo marcarão outro episódio.

Ah, pois que sim. Corres
para alugar o terno para o casamento.


Aonde tu vais
desde planícies, vales e grutas,
em saltos, sobressaltos, respiros acelerados,
carências de brisas e afetos,
esbarrando em cárceres,
estes que tu mesmo te impuseste
em anosos tempos virados.

Ah, percebo. Tu corres
para apanhar o filho na escola.

18 dezembro 2008

Aonde tu vais
assim, correndo
com bombas armadas
em pedúnculos de flores.
Que sol intentas alcançar
e que clarão pretendes produzir
com essas aceleradas passadas.

Ah, sim. Entendo. Tu corres
para o hospital.

Para onde te situas,
acelerado,
com gestos e poesias
em represas que não vês
mas que na hora,
agora ou depois, se romperão em enxurradas
e em constelações de desperdícios.

Ah, sei. Tu corres
para o ponto de ônibus.

Quando tu pretendes dar olhos
ao que não tem imediata visibilidade,
o vento que faz das nuvens um coração,
um anjo de asas abertas, uma casa.
Quando porás os teus olhos
em outros olhos, calmos,
semicerrados pelo carinho.

Ah, pois é. Tu corres
para o banco.

17 dezembro 2008

, não posso me calar. Confesso, sim,
fui apressado em concluir.
Fechei portas que são lindas portas
enquanto o vento por elas entra e sai
depois de rodopiar na sala.

, ainda, digo em espontânea confissão,
não fui capaz de sentir o universo, de pensar
a imensidão de cada insignificante fato.
Asteróide cego e orgulhoso, exposto à gravidade
de outros, sem rota certa, caindo aos pedaços
em fugaz brilho e glória.

, sigo, se me permites. Encartilhei-me com estrábicos
óculos vistosos, para transitar pelas vias do ego.
Reneguei os inventários e o trabalho de reinventar,
nos limites do meu ilimitado território,
o saber enciclopédico que às crianças tanto encanta.

, confesso, escuta-me. Please!
Eu me despensei. Dei-me à divagação,
que se aproveitou de mim. Muitas vezes.
Mas houve consentimento. Ouço a reclamação
da poesia. Há carências de terra, corpo e chão.
E reitero, falta-me a exatidão, acuso-me.

16 dezembro 2008

, escuta-me uma vez mais, confesso,
obstruí os fluxos vitais quando economizei
verbos bons. Guardei palavras úmidas
para tempos secos e me danei com uma
urticária maldita que me ressecou a pele toda.

, ouça-me, retroandei, sim,
em passos lentos para a frente,
se tu me entendes. Andei tão vagarosamente
que as passadas adiante que dei
foram retromodos de viver sem amor.

Hei de falar mais. Confesso.
Respinguei-me nesses caracteres que se seguem
em linhas derrames das minhas angústias.
Esperei demais deles. Depois eles
hibernam nas páginas. Eu morro. Ficam os campos
e ventos e espaços abertos deletados de mim.

, eu me encoisei.
Sim, eu me coiseifiquei. Abafei
os ventos , fiquei coisa.
E transpesei. Perdi a pena da
alegria que voava dentro
dos meus olhos.

15 dezembro 2008

, confesso, ainda, digo, deitei-me.
É. Deitei-me. Tu também hás de confessar-te?
andas confuso em seus ares.
Subterrei-me. Submeti-me ao solo,
à morte, em posturas deitadas. Reneguei
minha ressurrecta e leve corporeidade erecta.

, discriminei também.
Sim, achei-me em condição de separar cabrito de ovelha.
Discriminei minhas mãos, uma para a prosa,
outra para os versos. Esquizofrenizei
a língua. Ah, por isso confesso aos pedaços.

, desprezei os pequenos, arrependo-me,
os invisíveis, os bytes. Hoje estou
com o coração megabytizado.
Emprazeiro-me quando me ponho on,
antes eu delirava ficando na minha, off.

, desprezei também a mim mesmo
quando me ensurdeci à missão de subverter
e celestiei-me em oníricas fugas.
Hoje quero sobrelevar a sola dos meus sapatos
e sentir o densidade dos meus ossos
enquanto miro as pectas janelas de Salvador Dali.

14 dezembro 2008

, eu quero confessar.

, confesso que muitas vezes eu me empalavrei
de qualquer jeito. Juro, foi sem zelo.
Agora sofro de medos.
Descobri. As palavras são átomos
que se pode fissionar

, eu sentimentei demais os poemas.
Nem queiras saber,
a poesia ficou indignada.
Ela é inteligente.

, por outro lado me unifiquei demais comigo.
Esqueci o amor, esqueci a flor, a aliança;
esqueci os barcos ancorados no canal;
esqueci que sou dois, ou mais, em mim.

, peço-te, paciência comigo.
Vê! Eu me desapareci. É, me desfiz,
me desconstituí. Se Deus disse faça-se
o homem a minha imagem, eu disse
desfaço-me em ... não sei... me desfiz.
Acho que até foi sem querer.

13 dezembro 2008

Horas vagas
(Encerrando as desconexas horas)

I.
Falou a moça apaixonada,
de hoje não passa essa dor de amor.
Vou jogar a folhinha no riacho,
com ela irão todas as horas e datas.
Amanhã sentirei que falta algo
e direi onde foi, diacho, que guardei
minha agulha de crochê.

II.
O espelho, quando eu menos escutava,
retrovisou-me e me fez saborear
duas vezes o mesmo lugar. Sim.
Na primeira vez eu cheirei um pardal
na segunda eu toquei em Deus.

III.
Poemas até podem ter sabores,
cores. Flores, doces, podem ser.
Mas também há que se reconhecer
aqueles, como estes, que se inscrevem
nos entremeios agridoces
das asperezas das sementes de cajá.

IV.
Amanhã é o dia santo,
dia de abrir garrafas onde se prende capeta.
Quem tiver uma, aproveita,
pra se livrar do bicho e fazer boa obra.
Quando eles tentam redemoinhar
soltos, sem que se apercebam,
eles se estercam no chão
e adubam os cafezais.

V.
A força da enxurrada
assustou o cardeal.
Ele olhou para o chão
e por entre seus sapatos vermelhos
se agarrou uma palavra da correnteza
que dizia, agora, exatamente agora,
agora mesmo,
alguém pode ser feliz.

12 dezembro 2008

X.
Uma saudade ao som do rock dos anos 80
apertou o peito do rapaz da fotografia.
Ele mesmo, ali e aqui,
e entre os mesmos, o outro,
debochado, o filho de Urano,
feliz.

XI.
Poemas não são sentimentos,
nem sublimes modos de falar.
Poemas são ventos, os mesmos
que passaram pelas gargantas dos dinossauros,
das gralhas, dos patos e dos leões.

XII.
O propósito do quadrado
sempre foi tornar-se um caminho.
O cometa preso no quadrado
procurou em cada canto uma fenda
e escapuliu com a ponta da linha.
Os magos seguiram o traço
e encontraram o menino.

Hora extra
Ignora-se a criança no acalento de maternos braços,
do mesmo modo o navio levado ao berço do porto
não sente o oceano que lhe balança,
bem rente às mamas
e às axilas das marés.
Ignora que no cais, na pedra, há uma palavra que diz:
agora, nessa hora, alguém pode ser feliz.

11 dezembro 2008

(Aí estão mais algumas das minhas DESCONEXAS HORAS)

VII.
O monte Mestre Álvaro azulado
lavado e bem lavado pela chuva de dias
com os olhos limpos arregalados me alcançou
e sorrindo me disse, nada melhor do que dirigir
pela ponte no vão central bem no alto
ouvindo velhas músicas do Be Gees.

VIII.
Poemas pintados em livros a se vender
é maldade. Tão caros! Poemas são quedas,
escorregões em barrancos molhados.
Não se tinge em papel,
se fica enlameado.

IX.
A porta estava aberta
e o besouro se adentrou por ela.
Trouxe verdes, cheiros e brilhos.
O amor agradeceu e lhe deu uma flor
com quatro pétalas,
o nobre quarto de hóspedes,
e na cabeceira um livro de Hilda Hilst.

Hora extra
Um anjo ou outro ser assim
esparramou-se numa manhã de sol
caindo em dobras sobre o mais fundo azul da alma
e ali derramou um calmante, a afirmação:
exatamente agora, nesta hora
alguém pode ser feliz.

10 dezembro 2008

(Continuando a série desconexas horas)

IV.
A página desvirou-se em letras
abriu os olhos da mesa
e esparramou-se como toalha
para a santa ceia
de quem decidiu crer, outra vez,
no amor.

V.
Poemas são veludos de vozes
que recobrem certas palavras.
Mas há outros, de estranhas espécies.
Um pode ser da espécie tosse,
outro hálito de febre,
outro ainda catarro que se expectorou
na aflição de se viver mais.

VI.
A mãe e a massa
se apertaram no mesmo pão
rasgado em bons pedaços
de sacramentos afetos
tão bons, tão bons,
que ficou claro que eram dados
para a salvação de Deus.

Hora extra
A andorinha pousou não se sabe onde,
mas pode ter sido num coração.
Qual foi o oráculo, quem haverá de dizer?,
mas a pena que caiu, caiu escrevendo,
pra todo mundo ler: exato agora,
nesta hora,
alguém pode ser feliz.

09 dezembro 2008

Desconexas horas
(Eis minha nova série : Desconexas horas. Minha intenção era publicar 12 horas por cada postagem, mas acho que ficaria cansativo para a leitura. Optei por três horas de cada vez).

I.
A água se lavou de estrelas
e disse,
marejei nos olhos da dor
e escoei-me como lucidez,
talvez, talvez
lucidez de amor.

II.
O sono pegou no fogo
e o fogo teve um sonho,
sonhava que era flor
de maracujá
para acalmar seu próprio calor.

III.
O laço foi dado em silêncio,
mas havia qualquer coisa no nó
que gritava um grito horrível
de passos muitos que se vão
por onde não se quer ir.

(Peço desculpas aos amigos que já passaram por aqui,
mas tenho que fazer uma hora extra. Beijo).
Hora extra.
Uma insanidade latente, borbulhante
atravessou as fibras cardíacas,
vazou pela língua em benção sem liturgia
só pra dizer: agora, sim, agora,
exatamente nesta hora,
alguém pode ser feliz.

08 dezembro 2008

Entrelace inexorável
(encerrando a série ASPECTUS)

Passam-se noites, dias,
as vigílias se confundem
entre candeios apagados
e cortinas soltas às janelas.
A seiva, um resto apenas, e levemente, corre
no caule ate à rosa pendida, das últimas,
descalça, a tocar o chão, soltando as pétalas
desenrubecidas e frouxas
por entre ervas e carrapichos.
O jardim entregue, testemunha que se dispensa,
surdo ao canto de um ou outro pássaro, está ali.
O que nas estrelas se escreveu, se dá. Assim. Sim.
Há no ar, entre o lavrado e o selvagem
cheiros de últimos desejos,
anseios derradeiros de ver os muros rompidos
para se render aos prados não cultivados ao redor.
Nem isso... não será assim, será diverso.
Pois que é o tempo dos destinos, outros,
tempos de sonolências dos poetas,
tempos de desaparecidos amantes.
Um rosto incerto, indefinido, se aproxima,
roupas estranhas e automóveis nunca vistos.
Fala-se em demolição, dores de um círculo santo
que se fecha, parto de adventícios mundos.
Cerejas, uvas, tâmaras, licores,
pães sobre mesas, espectros de amores intensos,
saudades e dores. Desvanecem-se.
Outras coisas vão surgindo. O que se dá?
Será o entrelace inexorável do passado,
amores e um jardim, com o futuro?
Há ainda um resquício de música,
uma dor fina, um rumor de folhas,
páginas de um livro soltas ao acaso.
Vozes, outras vozes, ansiosas, muitas,
uma comandando, determinada:
Reserve-se a estátua, vamos levá-la.
O mais, derrubem, carreguem os entulhos,
limpem o terreno
e plantem milho em tudo.
A estátua no jardim
(quarto poema da série ASPECTUS)

Entardece
cada dia mais,
demoras, mil noites
numa única e triste luz nublada
derramada sobre a relva.
Vê a estátua da ninfa Érato...
O olhar, por detrás do vidro, da janela
como folha seca
vagueia, vagueia, procura,
no jardim não surge
o que se espera, o tudo, o todo.
Todas as coisas marrons, secas,
folhas soltas, anoitece sobre Érato,
a lua não aparece,
ninguém. Só o jardim
e o tempo por ali
em volteios, aspergindo
deboches. Cheiros da noite, húmus,
ação de húmus, humilhação,
nadas, coisa nenhuma espalhada
no livro, no vinho, nas horas,
nos intervalos dos investigantes olhares.
Vê, ei-la, vê que da janela se vê
pelo clarão de uma única lanterna
acesa por fiel servidor
a estátua da ninfa Érato,
vê que ela estende a coroa de rosas,
mas a lira não chora, não canta,
está aos seus pés.
Cala. Cálidas mãos
sobre pele, sobre pontos,
sobrepondo amor em todos os
horizontes do corpo, são saudades.
Ah, se o céu soprar sobre o jardim
um vento benfazejo trazendo quem há de vir,
as cordas ainda serão capazes
de vibrar.

07 dezembro 2008

O mesmo jardim
(terceiro poema da série ASPECTUS)

Chama miúda, faíscas
quase fuligem.
Rosas romance
desfeitas pétalas
vislumbres de espíritos
caídos, ou anjos.
Frágeis vasos
tudo frágil
o lado de dentro
onde se aporta o ar.
Dói.
Dor em linhas tristes
desenha no rosto
um lugarejo despovoado
um jardim, um jardim
o mesmo jardim, sempre o mesmo jardim
de abandonos.
O dia em pleno sol
vigia os pássaros
para que não cantem.
A festa reservar-se-á para um dia
aquele que ainda vem.

06 dezembro 2008

Anseios no jardim
(continuando a série ASPECTUS)

As tardes esgarçam
e repuxam os lados do dia
e alteram o curso dos pés.
Entre a rosa e o espinho
depois da curva na subida
o perto-da-noite derrama seus anseios
no jardim.
Escorre na alma
por detrás da janela bonita, mas fechada
um veio, um frio de gelo, um fio
de água de gelo que vai
lento, lamento, difuso, dor.
O fundo se encharca
de um caldo de acúmulos.
Ali, exato ali, onde se retoma
o fôlego de viver
a cada instante
se encontra o absinto.
Há que se perguntar de onde vem o veio
e qual o mistério, o aspecto
que determina seu deságüe nessas praias
dos territórios perto-da-noite?
Poder-se-ia dizer,
foi o pecado de não ter amado
em uma das tardes passadas
de qualquer segunda-feira santa.

05 dezembro 2008

Passos no jardim
(iniciando uma nova série: ASPECTUS)

As passadas
e seus ruídos selvagens
no jardim
semearam respingos
espinhos e cardos.
Palavras espadas
labaredas cortantes
traços, retraços, cortes.
A dor de cada um, funda, doía mais que duas
e não havia como não doer.
O que se erguia entre
não era uma distância,
era uma enevoada lonjura.
Longe, longe, longe, lá onde
nem ouvido de mãe
é capaz de ouvir o chamado.
O entre com o tempo ficou tão grande
que passou a ser inexistente
pois que não havia mais ninguém
nem de um lado, nem de outro.
Uns astros do céu
poderiam se conjugar
como verbo de explicação.
Por que tudo acabou assim?
Um amor tão bonito!
No mundo inicial
no tempo dos olhares
só o amor se movimentava no jardim
com passos leves
com sopro de rosas
em pelos eriçados.

04 dezembro 2008

O poente

– nada, mãos vazias, banais,
invenção para ocupar tempo,
um verniz que não brilha.
A alma desenha levemente,
em aceitações e desgosto,
os jubilares tempos de so-long, bye-bye.
O que faço? pequenas caminhadas
entre o quarto, a cozinha e este assento ao sol,
e outras mais audaciosas aqui
pelas ruas que me são próximas.
Outro dia vi. Um corpo. Rígido. Reto. Senti.
O quê? Medo. Tu não sentes?
Mas retomei os jogos, a tevê, pequenas tarefas.
Proíbe-me, grito, proíbe-me de falar.
Inoportuno me falo, inútil
me vejo
ouvindo o que não adianta.
Guardo amor, amor, tanto amor, mas ainda assim,
despedaço. Não é suficiente o amor,
a vetustez não tem beleza. Nenhuma.
Uma vez vermelha a fruta,
não lhe sobra outra cor depois
senão uma, aquela que tu sabes.
Perdão, não te assusto,
me assusto. Proíbe-me.
Quando me soube, assim,
extinguindo-me, optei pela ilusão e
desenhei uma vertigem de prazer na queda.
Em libação, caio. O gesto oferente é lindo.
Imagina a taça de vinho, do tinto
vermelho-afogueado, um sol
se pondo, e da borda dourada do cálice
uma gota, eu, caindo. Lindo, não?
Degusto a queda. Sou eu mesmo deus
que sorve sequioso a oblação. Minto.
Tenho outra saída?
O poente me abruma as verdades.

03 dezembro 2008

Entre a pluma e a pedra

– mãos coroadas por anéis
escondem mares, muitos mares,
amares, amores, anseios de amar,
noamormorar... Desfaças tu o nó
e enlaces a fita do teu jeito.
Vontades? tu insistes nestas perguntas.
Sim, claro, vulcânicas.
Foi arrebatada para o céu a crença
que me fazia pensar quando menino
que tudo seria fácil. A vida,
a trinca sempre deixa
a água escorrer, e o peso dos passos
sempre marca os rastros que ficam.
Os insondáveis mistérios dos desejos
se dão em claras mostras, trajetos,
trejeitos que não têm ensaio.
Torna-se um líquido, a vida,
um desaguadouro que logra olhares,
piadas e humilhações. Mas fico assim,
como tu vês, lindo vestido,
atravessado, travessia que faço,
para ser outra,
a mesma pessoa,
frágil e forte no entremeio
da timidez e do deslumbre,
da coragem e da agonia.
Sim, sim, sem drama,
é preciso ler a própria sina
como se alheia fosse,
e é aí,
tu também podes dizer,
no fugaz espaço entre a pluma e a pedra
que tu te atreves a ser feliz.

02 dezembro 2008

Imerecido reverso de lucidez

– carrego noturna altivez,
imerecido reverso de lucidez
e imprudências de palavras
que desgovernam ela essa quando fala,
ela não pára, curva, ando, ando, ando
e, as vezes, parece que desando
em caminhos em que vejo, sem pena,
os suplícios e centelhas
de alguém essa que já fui.
Essa fui enfermeira
de maior competência, muito cuidei
de muita gente, de dor, de ais. Mas, não,
não sei, algo explodiu no céu bem longe
ou perto na alma bem fundo. Desamei.
Pode ter sido também porque a gata
teve sete gatinhos naquela sexta-feira,
morreram todos na chuva.
É. Desamei. Eles dizem que enlouqueci.
Estão enganados, não entendem,
desamei. Ninguém sabe o que é desamar.
Este é o problema. Ela essa desamou,
e depois que desamei
ganhei noturna altivez e força de andar.
Não sei a partir de quando desamei,
mas desamar foi o jeito de resolver,
ela essa não é boba. Ela anda.
Resolver o quê? A vida, ora.

01 dezembro 2008

Na calçada

– fico aqui na calçada,
me basto com olhos
o dia inteiro, sem amor,
sem ódio. Fico aqui.
Qualquer dia haverá
de ser diferente.
Perguntarão,
onde está a velha
que aqui vendia balas?
Dirão: morreu. Fico aqui.
Vendo balas, bombons,
paçocas, jujubas. Nada,
é pouco lucro, mas afinal,
de besteiras vive um pobre,
o que vende, o que compra.
O ouro em mim é o que penso,
e em tu também,
mesmo que tenhas mais,
bem mais. Tardes claras, a vida,
manhãs nubladas, qualquer
tempo é um sopro. Já foi dito.
Interroga-me. Teu silêncio
me incomoda. Basta-me
o que sinto. Áspera é a pedra
onde apoio os meus pés.